Quanto à linguagem usada, misturando cinema com a experiência do diretor na televisão, funciona em algumas partes. O artifício de usar sons para criar um efeito cômico é bem vindo, assim como a identificação de personagens pela trilha. O matador vivido por Marco Nanini sempre aparece com uma espécie de vinheta meio macabra ao fundo. Pode parecer um recurso bobo, mas fica engraçado. O que incomoda um pouco é a montagem de algumas seqüências em que Arraes parece querer recriar um ato da peça em que o filme é inspirado. Quando Leléu está encenando a crucifixação de Cristo, por exemplo, ele diz algumas falas para as pessoas que assistem ao seu teatro e, em seguida, complementa com outra frase endereçada ao público do filme. Entendi o que o diretor quis fazer, mas na tela não ficou tão bem quanto ficaria no palco, onde o personagem poderia virar para a platéia e dizer as falas complementares.
Arraes se redime, entretanto, com seqüências em que a edição das cenas é excelente, como naquelas em que se intercalam a ação do filme a que Lisbela assiste e o que Leléu vive lá fora. Uma cena que gostei muito também é aquela em que o casal discute dentro do cinema e, ao fundo, os protagonistas do filme em exibição parecem interagir com movimentos dos dois. nota: 6/10 — vale o ingresso
Piratas do Caribe: A Maldição do Pérola Negra (Pirates of the Caribbean: The Curse of the Black Pearl, 2003, EUA – Disney) “Johnny Depp é o cara”, diria um amigo meu se assistisse a “Piratas do Caribe”. E tenho que concordar. Depp está em um de seus mais excêntricos e divertidos papéis. Como o pirata Jack Sparrow, o ator mostra toda a sua versatilidade. São poucos, de que me lembro, que conseguiram variar tanto de papéis em suas carreiras. Depp já foi traficante, diretor de filme B, Don Juan… O Sparrow só perde mesmo para o Edward Mãos de Tesoura no quesito “bizarrice”. Ele rouba o filme, é o centro das atenções. Talvez, sem sua presença, “Piratas do Caribe” fosse um pouco mais chato.
O roteiro é muito bom, cheio de reviravoltas que levam de uma situação a outra sem deixar a narrativa ficar cansativa. Tanto é que, depois da primeira hora de filme, os acontecimentos se tornam cada vez mais interessantes e o filme acaba mais rápido do que parece (são 2h20 de duração). A primeira metade é que poderia ser um pouco mais ágil, ou melhor, poderia ser mais curta.
Dentre todos os blockbusters que invadiram os cinemas este ano, “Piratas” foi um dos melhores, com certeza. E quanto a Depp, mal posso esperar para vê-lo como Willy Wonka na nova versão de “A Fantástica Fábrica de Chocolates” (que será dirigida pelo Tim Burton, ainda por cima). nota: 8/10 — vale o ingresso
Tratamento de Choque (Anger Management, 2003, EUA – Columbia) O que esperar de uma comédia com Adam Sandler? O ator não tem graça, mas algumas piadas podem até valer a pena. Só que em “Tratamento de Choque” Sandler se deu ao luxo de contracenar com Jack Nicholson, o que certamente chama muito mais a atenção para o filme. Apesar de haver pouca química entre os dois, Nicholson protagoniza as melhores cenas. Dono de um rosto de expressões marcantes (é impressionante como o psicopata das machadas de “O Iluminado” se transforma no senhor de face cansada de “As Confissões de Schmidt”), Nicholson faz o que pode para criar comédia física e arrancar risadas do público nos poucos momentos criativos do roteiro.
É no script que residem as falhas de “Tratamento de Choque”, ao tentar colocar Sandler em situações embaraçosas para que seu personagem se “liberte” e supere seus traumas. Aliás, os métodos do Dr. Buddy Rydell são pouco convincentes: ele controla a raiva de seus pacientes incitando-os a serem agressivos com que propósito? Isso não é explicado e o desfecho do filme soou para mim mais como uma grande desculpa para justificar as atitudes do “Doutor B”.
Há um subtexto no filme – mal explorado por sinal – que é mostrar a neurose norte-americana com essas coisas de agressão e assédio. Às vezes acho que um dia será necessário uma câmera de segurança para que um simples aperto de mão não seja mal interpretado.
O diretor Peter Segal faz o que pode, mas não consegue criar uma cena sequer que mereça destaque por seu trabalho (aliás, é vendo Sandler nas mãos de um cineasta mais talentoso, como P.T. Anderson em “Embriagado de Amor”, que se nota como o trabalho de direção de atores transforma uma pessoa). O que se pode elogiar em “Tratamento de Choque” é mesmo apenas a atuação de Nicholson, além das participações de John C. Reilly, Luis Guzmán e Woody Harrelson, os três em papéis, no mínimo, curiosos em suas carreiras. nota: 5/10 — veja sem pressa
Editor-chefe e criador do Cinematório. Jornalista profissional, mestre em Cinema pela Escola de Belas Artes da UFMG e crítico filiado à Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema) e à Fipresci (Federação Internacional de Críticos de Cinema). Também integra a equipe de Jornalismo da Rádio Inconfidência, onde apresenta semanalmente o programa Cinefonia. Votante internacional do Globo de Ouro.