Tudo surge com a chegada de um cara que eles apelidam de X (interpretado pelo sempre inspirado Matheus Nachtergaele). Fundam um movimento que não é movimento, chamado Concepcionismo. E as regras do clube são:
1. Morte ao ego.
2. Ser uma nova personalidade a cada dia.
3. Toda memória deve ser apagada.
4. O dinheiro deve ser abolido.
5. A humanidade está doente, o Concepcionismo é o caminho para a cura.
6. O concepcionista é uma fraude que dura 24 horas.
7. O caminho do excesso leva ao palácio da sabedoria.
8.?
9. Voa!
10. Tudo o que foi dito deve ser esquecido agora.
A trama toda gira em torno daquela gente fazendo gato e sapato do livre-arbítrio, com direito a orgias épicas (uma delas filmada num longo plano-seqüência), álcool e entorpecentes a gosto, um de cada vez ou tudo ao mesmo tempo. O negócio é fazer o que você quiser. Viva la revolución!
Belmonte parece ter entrado de cabeça nessa idéia. Da filmagem à montagem, o diretor usa, mas abusa da experimentação. Perdi a conta de quantos tipos de filtros, filmes, câmeras e trucagens ele utilizou. Durante um certo tempo, eu entrei naquela viagem junto com os personagens, gostando daquele caos audiovisual. Mas depois a coisa toda começou a ficar poluída demais. Belmonte não chega a ser um Tony Scott, que te deixa tonto com tanta firula, mas se arrisca um bocado com essa opção de testar o público.
“A Concepção” não é filme para ser visto por qualquer um, nem para se ver a qualquer momento. É um filme que requer um determinado estado de espírito para ser apreciado (e com isso quero dizer que você tem que estar com a mente aberta – a maneira como irá abri-la fica por sua conta). Seu maior problema é a ausência de uma estrutura mais firme, capaz de aproximar o espectador dos personagens. Entretanto, pensando um pouco mais a respeito, cabe a noção de que o filme não quer criar uma identificação deles com o público, propositalmente (afinal, o Concepcionismo é isso: não ter identidade, se transformar a todo momento, ser ao mesmo tempo em que não se é).
Esta pode ou não ter sido uma opção consciente de Belmonte, que diz ter feito um filme experimental e pop – conceitos que se evitam por natureza. Por tentar misturar água e óleo, o diretor cria um filme estranho. Tem a vibração de “Clube da Luta” e “Trainspotting” (deste especialmente, graças ao bom uso da trilha sonora), mas não consegue se equiparar a eles com seu argumento.
“A Concepção” pode ser visto como uma crítica a uma geração sem rumo ou um protesto contra uma sociedade padronizada ou uma apologia à anarquia ou um manifesto anti-drogas – um de cada vez ou tudo ao mesmo tempo. Se uma coisa fica provada, é que um pouco de ordem não faz mal a ninguém. Certamente, teria feito bem ao filme.
A Concepção (Brasil, 2006) – em cartaz nos cinemas
Editor-chefe e criador do Cinematório. Jornalista profissional, mestre em Cinema pela Escola de Belas Artes da UFMG e crítico filiado à Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema) e à Fipresci (Federação Internacional de Críticos de Cinema). Também integra a equipe de Jornalismo da Rádio Inconfidência, onde apresenta semanalmente o programa Cinefonia. Votante internacional do Globo de Ouro.