Em certo momento de “Edukators – Os Educadores”, o personagem de Daniel Brühl diz que todas as revoluções se esgotaram. Que, hoje em dia, o que era ideal de luta contra o sistema se transformou em camiseta que se compra em qualquer esquina. A revolução se tornou um bem de consumo. Portanto, o ideal dos Edukators não poderia ser mais apropriado: combater o consumismo e a distribuição de renda desigual.
Inicialmente formado apenas por dois membros, Jan (Brühl) e Peter (Stipe Erceg), os Edukators se transformam em um trio quando Jule (Julia Jentsch), namorada de Peter, convence Jan a invadir a mansão de um milionário que lhe processou por um acidente de trânsito. Ela se vê obrigada a pagar o valor da Mercedes danificada, o que deve lhe tomar cerca de oito anos de trabalho. Algo sai errado durante a invasão à casa do sujeito e os Edukators logo se vêem não só envolvidos em um seqüestro não planejado, como também em um triângulo amoroso que pode colocar em risco a amizade entre eles.
Dirigido por Hans Weingartner (“O Som das Nuvens”), “Edukators” é um filme de apelo jovem, que conta com uma direção moderna (a câmera participa da ação a todo momento, como na cena em que manifestantes tentam impedir a prisão de dois de seus membros). O cineasta tem o mérito de não se render a maneirismos comuns a videoclipes, como é costume hoje em dia em produções voltadas para o público adolescente. Weingartner, pelo contrário, sabe valorizar o que de mais precioso tem a seu dispor: o roteiro e o elenco.
Jentsch (“Uma Mulher Contra Hitler”) e Brühl (“Adeus, Lenin!”) são os que mais se destacam, já que são eles que provocam o conflito principal da trama. Julia é cativante. Ela é daquelas garotas por quem você iniciaria uma revolução sozinho. Sua meiguice é contrabalanceada com sua firmeza e seu ar de independência. Jule não está com Peter à toa, só porque acha bacana namorar um cara descolado. Ela divide com ele a mesma filosofia de vida, algo que também encontra em Jan. Inicialmente, o rapaz não dá muita bola para ela. Mas é aquele caso: uma indiferença que é usada para barrar uma atração inconveniente. Quando os dois começam a se aproximar, a se conhecerem e a descobrirem que também possuem os mesmos ideais, aí… Bom, você pode imaginar. Brühl se sobressai porque seu personagem é o que possui as melhores falas do roteiro. Ele é praticamente o porta-voz dos Edukators. Erceg atua em segundo plano, mas quando aparece é incisivo. É dele um dos melhores diálogos do filme, quando diz que “o que importa não é quem inventou a arma, mas quem puxa o gatilho,” colocando um fim numa discussão sobre de quem é a culpa da má distribuição de renda no mundo.
Gerar essa discussão, aliás, é o principal trunfo de “Edukators”. Afinal, se apenas fosse a história de um triângulo amoroso, o filme poderia não passar de uma reprise. A mensagem dos Edukators não é uma mensagem reacionária. Não chega nem mesmo a ser um pedido de revolução. O objetivo deles é, antes de mais nada, não se renderem ao sistema. Não terminarem como o sujeito que seqüestram, “vendendo” seus ideais. Pode ser pretensioso que eles se auto-intitulem “educadores”, visto que não estão dando lições a ninguém, mas apenas (como Jan diz) tentando deixar os ricos inseguros. Se há algo que eles ensinam é um exemplo de coragem. Não a coragem de burlar sistemas sofisticados de segurança, mas a coragem de não se deixar alienar, a coragem de acreditar na igualdade sabendo que sentimentos utópicos de uma sociedade perfeita não levam a nada. Sim, os Edukators possuem o desejo de uma revolução, mas é uma revolução que só pode começar se cada um de nós começar a dizer “não” ao “querer mais” e “sim” a virtudes, como a tolerância e a lealdade.
Não é ser educado. É se educar.
Edukators – Os Educadores (Die Fetten Jahre sind vorbei, 2004, Alemanha/Áustria). Direção de Hans Weingartner. Com Daniel Brühl, Julia Jentsch, Stipe Erceg, Burghart Klaußner.
O DVD
A versão de “Edukators” lançada em DVD pela VideoFilmes é diferente da versão exibida nos cinemas, pois traz um final estendido, com alguns minutos a mais, revelando o destino dos personagens principais.
O disco oferece duas opções de áudio: 2.0, no idioma alemão, e 2.0s, na dublagem em português. A imagem é apresentada em formato de tela widescreen anamórfico.
Dada a qualidade do filme, extras seriam muito bem-vindos, mas, infelizmente, não há nem mesmo um trailer.
Editor-chefe e criador do Cinematório. Jornalista profissional, mestre em Cinema pela Escola de Belas Artes da UFMG e crítico filiado à Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema) e à Fipresci (Federação Internacional de Críticos de Cinema). Também integra a equipe de Jornalismo da Rádio Inconfidência, onde apresenta semanalmente o programa Cinefonia. Votante internacional do Globo de Ouro.