por Renato Silveira
A nova aventura marítima de Wolfgang Petersen (“O Barco”; “Mar em Fúria”) parece ter sido apenas isso mesmo para o diretor: uma aventura. “Poseidon” é uma daquelas refilmagens sem propósito, que não melhora o original, nem apresenta um motivo relevante para ser uma versão atualizada. “O Destino do Poseidon” é um marco de sua época por fazer parte da onda (trocadilho involuntário, pardon) dos filmes-catástrofe. Mas hoje em dia, mesmo quase uma década depois de “Titanic”, um filme sobre naufrágio só consegue despertar uma sensação: déjà-vu.
Quase 15 minutos mais curto que o longa de 1972, “Poseidon” passa rapidamente pela apresentação dos personagens, algo que o diferencia do filme de Ronald Neame. Em suas primeiras cenas, o roteiro de Mark Protosevich (“A Cela”) preocupa-se apenas em nos mostrar os rostos dos personagens principais e introduzir suas personalidades. É como cumprimentar um desconhecido: você fica sabendo seu nome, guarda seu rosto, mas aquele breve contato jamais vai lhe permitir conhecê-lo de imediato. E se a pessoa for realmente interessante, você vai querer se aproximar mais. Mas isto não acontece em “Poseidon”. Os personagens de Protosevich são unidimensionais. No filme original, embora alguns dos coadjuvantes sejam irritantes e pouco desenvolvidos, o reverendo vivido por Gene Hackman e o detetive de Ernest Borgnine possuem personalidades fortes, e o antagonismo entre eles só acrescenta à construção dramática. Já no remake, o bombeiro e ex-prefeito interpretado por Kurt Russell não passa de um pai conservador que só está preocupado com sua filha (ao contrário de Hackman, que se opunha ao individualismo), enquanto o apostador de Josh Lucas se converte num mero herói de ação.
Os coadjuvantes, então, são piores ainda. Há o casal formado por Mike Vogel (protagonista de uma das cenas mais piegas do filme) e Emmy Rossum (que é bonita, mas fica o tempo inteiro fazendo cara de coitada); o mau-caráter vivido por Kevin Dillon (cujo destino não é difícil de se adivinhar); a mãe (Jacinda Barrett) e o filho (Jimmy Bennett) que servem mais como malas para Josh Lucas carregar; e, finalmente, a imigrante Elena (Mía Maestro, elegantemente desperdiçada) e o homossexual vivido por Richard Dreyfuss, que têm a relação entre eles pouco aproveitada, já que ele participa de um dramático momento ao lado do namorado dela momentos antes de se conhecerem.
Se os personagens não ajudam, restam ao filme as cenas de ação. E assim, a estrutura do roteiro lembra muito a de um videogame, com cada seqüência correspondendo a uma fase em que o grupo tem que escapar da água que vai inundando o navio. Um desafio diferente é criado por vez: subir por um fosso de elevador; atravessar o vão do saguão através de uma ponte improvisada; arrastar-se pelos dutos de ventilação; atravessar corredores debaixo d’água; e por aí vai.
Por isso, “Poseidon” deve ter sido uma aventura para Petersen, que pelo menos tenta se divertir na direção. Sua técnica continua eficaz e ele se mostra mais uma vez à vontade no comando de uma grande produção (uma constante em sua carreira). Mas que ele podia ter escolhido um projeto melhor, isso podia.
nota: 4/10 — não se culpe por não ver
Poseidon (2006, EUA)
direção: Wolfgang Petersen; com: Josh Lucas, Kurt Russell, Jacinda Barrett, Richard Dreyfuss, Emmy Rossum, Mía Maestro, Mike Vogel, Kevin Dillon, Freddy Rodríguez, Jimmy Bennett, Stacy Ferguson, Andre Braugher; roteiro: Mark Protosevich (baseado no livro de Paul Gallico); produção: Mike Fleiss, Akiva Goldsman, Wolfgang Petersen; música: Klaus Badelt; fotografia: John Seale; montagem: Peter Honess; estúdio: Warner Bros. 98 min
Editor-chefe e criador do Cinematório. Jornalista profissional, mestre em Cinema pela Escola de Belas Artes da UFMG e crítico filiado à Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema) e à Fipresci (Federação Internacional de Críticos de Cinema). Também integra a equipe de Jornalismo da Rádio Inconfidência, onde apresenta semanalmente o programa Cinefonia. Votante internacional do Globo de Ouro.