Quando os primeiros humanos apareceram no filme, eu realmente fiquei na dúvida: são atores ou personagens digitais? A mulher que está atrás do vidro tem aquela pele borrachuda que já vimos em “Final Fantasy”, por exemplo, e o mesmo “olhar morto”. Já o homem que surge logo depois tem uma expressão facial mais vívida, mas também não passa a impressão de ser uma pessoa de verdade. Foi só quando veio a cena em que o pingüim se comunica com a menininha é que me dei conta que ela não era uma criação da computação gráfica (já os outros dois, ainda acredito que sejam, mesmo já tendo visto o filme duas vezes).
E aí me veio a pergunta: George Miller teria criado essa confusão propositalmente? Haveria ali uma reflexão sobre os limites e propósitos da animação digital? Para quê, afinal, as animações vem tentando alcançar um nível de realismo cada vez maior?
É claro que este filme tinha que ser feito com animação. Não estou querendo dizer que poderia ter sido feito com bichos de verdade, na Antártica de verdade (já basta “A Marcha dos Pingüins”). Mas a dúvida acima pode ser analisada da seguinte forma: pegue “O Expresso Polar”, de Robert Zemeckis, um filme que usou uma técnica dita “inovadora” para reproduzir fielmente os rostos e expressões dos atores em personagens digitais. Temos lá um Tom Hanks virtual que foi interpretado pelo Tom Hanks de verdade. Ou seja, o único propósito dessa tecnologia foi mostrar que ela é capaz de criar uma realidade que já existe.
Então, temos “Happy Feet”, onde os cenários são absurdamente realistas, assim como a penugem dos pingüims e a pele das baleias e dos elefantes marinhos. Um fotorrealismo lindo, sem dúvidas, e para criar aquele mundo e manipulá-lo, a tecnologia serviu perfeitamente. Já quando aparecem os humanos, temos atores reais. Isto, porque Miller foi mais consciente que Zemeckis: entendeu que o propósito da animação digital não é recriar algo que pode ser mostrado na tela sem precisar ser animado.
O que estou tentando dizer é o seguinte: se é para fazer um filme de animação, que se tente aproveitar a liberdade praticamente infinita que a tecnologia proporciona e se faça algo imaginativo a partir daí, e não apenas uma emulação do real. A partir do momento em que você percebe que um filme animado poderia ter sido feito em live-action, ele perde o sentido. E esse tem sido o grande problema das animações com personagens humanos (a não ser aqueles que adotam feições caricaturais, como “Os Incríveis”).
Há também um certo problema mesmo quando não há humanos: todo esse fotorrealismo acaba sendo uma distração para uma história fraca. E a de “Happy Feet”, no fundo, não passa de uma versão de “O Patinho Feio” com neve – apesar de Miller saber conduzi-la com ritmo e criar seqüências de ação fantásticas, mas isso aí já é mérito de direção, não de roteiro. Em “Carros” acontece o mesmo: há um nível de realismo tão grande na paisagem, no asfalto, na poeira e na lataria dos veículos, que, sem perceber, você pode estar apreciando mais a beleza plástica do filme do que aquilo que ele realmente nos fala.
Honestamente, se continuar a existir essa competição pela “maior realidade”, é melhor voltarem ao 2-D. A não ser que haja um propósito nela. Ou, talvez, uma auto-crítica, como acredito que exista naqueles momentos finais de “Happy Feet”.
Happy Feet: O Pingüim (Happy Feet, 2006, Austrália/EUA), dir.: George Miller – em cartaz nos cinemas