O único mérito do diretor e co-roteirista Zack Snyder aqui é ter dado à Warner Bros. uma galinha dos ovos de ouro: gastou US$ 60 milhões e está fazendo o estúdio lucrar o triplo. Gastou pouco para um projeto dessa escala porque filmou tudo com tela verde. As imagens de fundo são bonitas, as cores, as texturas, tudo é muito lindo, mas, ainda assim, em muitas cenas fica claro o aspecto cenográfico quase teatral (sem falar que certas paisagens dão a impressão de terem sido feitas em matte painting). Nesse sentido, Robert Rodriguez se saiu melhor ao adaptar “Sin City”, também de Frank Miller, usando a mesma técnica. Ainda que Snyder tenha um ótimo olho para composição (ele é um diretor puramente visual, tanto é que se excede no uso de câmera lenta), Rodriguez foi mais feliz na transposição dos quadrinhos para o cinema: em nenhum momento de “Sin City” senti que os cenários eram virtuais. Já em “300”, essa impressão me incomodou diversas vezes.
Na verdade, a comparação imediata que se deve fazer nem é com “Sin City”, mas com “O Senhor dos Anéis”, que é o filme que estabeleceu o novo parâmetro para cenas de batalha no cinema. As semelhanças entre eles são muitas (lembram do reduzido exército que enfrentou milhares de Orcs em “O Retorno do Rei”?), mas para ser Peter Jackson, Snyder ainda precisa comer muito feijão.
Estética à parte, o elenco pouco ajuda com o overact de Gerard Butler ou a transfiguração de Rodrigo Santoro, com direito a voz distorcida e até truque de perspectiva para deixá-lo mais alto e bombado perto de Butler. Assim, o que seria motivo de orgulho, por ver um brasileiro numa grande produção de Hollywood, acaba se tornando sinônimo de embaraço. Afinal de contas, o que esse papel acrescenta à carreira de Santoro? Só mais zeros a sua conta bancária.
Tudo o que eu disse até aqui pode ser fruto de implicância devido a gosto pessoal, mas “300” possui uma falha inegável: em toda sua verve sanguinária, o filme não encontra tempo para desenvolver personagens, eximindo-se de qualquer vestígio de dramaticidade. É daí que vêm às críticas de que o longa mais parece um videogame – e de fato as cenas de combate me deixaram curioso para saber se um jogo sairá simultaneamente. Ao ver os espartanos se esquivando, cravando suas lanças nos inimigos, decepando cabeças, usando seus escudos não só como proteção mas também como arma, eu me imaginava controlando um daqueles personagens e matando aquele bando de soldados com o joystick. Eu adorava fazer isso em “Final Fight” e no saudoso “Streets of Rage”. Com “300” não seria diferente, só mudaria o cenário das ruas para as montanhas da Grécia antiga.
Por isso digo: “300” é entretenimento escapista que não deve ser levado a sério. Não que haja algo errado nisso…
Editor-chefe e criador do Cinematório. Jornalista profissional, mestre em Cinema pela Escola de Belas Artes da UFMG e crítico filiado à Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema) e à Fipresci (Federação Internacional de Críticos de Cinema). Também integra a equipe de Jornalismo da Rádio Inconfidência, onde apresenta semanalmente o programa Cinefonia. Votante internacional do Globo de Ouro.