Se Robert Altman fosse baiano, “Ó Paí, Ó!” bem poderia ser uma versão carnavalesca de “Short Cuts – Cenas da Vida”. O filme de Monique Gardenberg (“Benjamim”) é uma colcha de retalhos formada por uma dúzia de personagens que convivem em um cortiço em Salvador. O recorte feito no Carnaval nos coloca em contato com o cotidiano daquele pessoal enquanto eles se preparam para dançar atrás dos trios elétricos.
Assim como em “Short Cuts” (guardadas as devidas proporções) ou “A Última Noite”, derradeiro filme de Altman, não há um enredo definido a se seguir em “Ó Paí, Ó!”, visto que a narrativa é formada por várias subtramas entremeadas. E tal como o regionalismo do título, que pode significar alegria, indignação, estupefação, dor ou ironia, encontrar uma definição de protagonista no filme é tarefa das mais difíceis. Há Dona Joana (Luciana Souza), proprietária do edifício onde os personagens moram e cuja devoção religiosa contradiz com a animação de seus inquilinos e vizinhos; Reginaldo (Érico Brás), taxista malandro que tem esposa grávida e pelo menos duas amantes; Psilene (Dira Paes), ex-moradora do Pelourinho que decidiu sair do país e, de volta, se exibe para esconder as decepções vividas no exterior; enfim, há várias outras figuras, da baiana do acarajé a uma cover extrema de Beyoncé.
Mas se tenho que apontar para um “personagem principal” (por que há de haver só um?), este é Roque, vivido por Lázaro Ramos. Esbajando carisma, o ator é o destaque do elenco e a câmera muitas vezes parece venerá-lo, praticamente se esfregando em seu suor. Lázaro é um daqueles atores versáteis e seu papel aqui é mais uma boa adição à sua já ampla galeria. Ele conta com uma grande cena em que faz um discurso anti-racista, cena esta que é a única justificativa para a existência do personagem de Wagner Moura, o afetado golpista Boca. Infelizmente, ele é mal aproveitado, mais por culpa do próprio ator, que força a barra na caracterização e o torna muito caricato.
O longa conta com números musicais ao som de canções conhecidas do axé baiano, de grupos como Araketu, Timbalada e Olodum. Estou milhas distante de ser um folião, mas admito que “Ó Paí, Ó!” me contagiou com sua alegria e espirituosidade. É um genuíno filme de Carnaval.
nota: 7/10 — vale o ingresso