Em uma das cenas mais memoráveis de “2001: Uma Odisséia no Espaço”, Stanley Kubrick utiliza um poderoso coro de vozes para criar o clima assombroso que acompanha o astronauta Dave em sua jornada rumo a Júpiter. Essa força espiritual da voz humana parece exercer um efeito contrário no protagonista de “A Vida no Paraíso”: para ele, é um sopro de vida.
A princípio, o longa dirigido pelo sueco Kay Pollak (indicado ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro em 2005) parece ser mais um “filme de professor”, como tantos outros em que o protagonista se vê diante de um grupo de alunos dispersos e os une em torno de um mesmo objetivo. No entanto, este difere em pelo menos dois pontos. Primeiro, porque não se concentra em uma competição: apesar de o coral se inscrever em um concurso, este jamais se torna o centro do filme (na verdade, acaba servindo a uma conclusão bonita e espirituosa). E segundo, porque o foco principal está no protagonista, não nos “alunos”. A trama gira em torno do maestro Daniel (interpretado com extrema competência por Michael Nyqvist, da comédiaBem-Vindos), que busca uma paz que ele mesmo desconhece. Os dramas individuais dos personagens secundários existem, mas estão lá apenas para pontuar a narrativa e servir à sua construção.
A premissa maior de “A Vida no Paraíso” é que o canto funciona como uma chave que abre o coração e a alma das pessoas, ajudando não só os habitantes da cidade a se soltarem, mas também o próprio Daniel, já que ele encontra a sua redenção naquela vivida por seus alunos. Daniel é um homem que respira música, desde a infância. Vemos nas primeiras cenas que ele sempre se esforçou ao máximo para tirar o som perfeito dos instrumentos (ele chega a ter o nariz sangrando enquanto rege uma orquestra). Mas, mesmo que insconsciente, ele sabe que falta algo – que finalmente encontra na voz do coral: é o som humano, que arrepia, que parece ser uma conjuração universal, exatamente como naquela viagem espacial de Kubrick em “2001”.
“A Vida no Paraíso” também fala sobre a importância do equilíbrio interno, tema representado pelo caminhão que Daniel vê deslizando na neve e, mais tarde, pela bicicleta que ele quer aprender a usar. Não fosse a superficialidade das subtramas, que tomam um tempo desnecessário, o filme seria ainda melhor.
Sobre o DVD
A Vida no Paraíso (Så som i himmelen, 2004, Suécia, 132 min, 14 anos – VideoFilmes)
Direção: Kay Pollak
Elenco: Michael Nyqvist, Frida Hallgren, Lennart Jähkel, Ingela Olsson, Niklas Falk
Idiomas: Sueco – Legendas: Português
Vídeo: widescreen letterbox
Áudio: Dolby Digital 2.0
Extras: não possui
Editor-chefe e criador do Cinematório. Jornalista profissional, mestre em Cinema pela Escola de Belas Artes da UFMG e crítico filiado à Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema) e à Fipresci (Federação Internacional de Críticos de Cinema). Também integra a equipe de Jornalismo da Rádio Inconfidência, onde apresenta semanalmente o programa Cinefonia. Votante internacional do Globo de Ouro.
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