Eu costumo brincar que nós vemos pelo menos duas imagens ao mesmo tempo: aquela que se forma diante dos nossos olhos e aquela que “enxergamos” em nossa mente. Por exemplo: você está conversando com uma pessoa. Ela está na sua frente, você a está vendo, mas, se você se lembrar de algo durante a conversa (pagar uma conta no banco, por exemplo), na sua cabeça uma outra cena é formada (a imagem do boleto esquecido em cima da mesa). Hans Canosa, diretor de “Nosso Amor do Passado”, parece ter essa mesma percepção sobre o olhar humano.
Só por sua ousadia de ser narrado inteiramente em split screen, o filme já merece uma distinção. A escolha de Canosa é inteligente e original, pois oferece ao espectador a possibilidade de assistir a mais de um filme, seja na primeira vez ou quando o revisitar. A tela dividida tem diversos usos aqui além do clássico, que é mostrar cenas diferentes que ocorrem ao mesmo tempo. No longa, é como se, por exemplo, cada metade representasse a visão de um dos protagonistas – um homem, interpretado por Aaron Eckhart, e uma mulher, vivida por Helena Bonham Carter (não são dados nomes aos personagens), que tiveram um relacionamento há vários anos e que se reencontram em uma festa de casamento.
As duas partes da tela também representam o que se passa na cabeça do casal. Pode ser uma lembrança traduzida num flashback (usando a percepção que descrevi no primeiro parágrafo) ou mesmo uma forma diferente de perceber o modo como a pessoa age diante do que a outra fala (afinal, nem sempre o que queremos dizer é o que o outro ouve). A técnica ainda serve visualmente na criação de cenas como aquela que se passa no elevador ou a bordo de dois táxis. Nelas, os ângulos de cada fração da cena parecem fazê-las compor um quadro inteiro.
Canosa explora o split screen de diversas formas e leva o espectador junto na experiência. A montagem é o leitmotiv do filme: você o monta enquanto o assiste, escolhendo quais cenas ver e para onde irá direcionar o olhar. É o conflito eisensteiniano maximizado, já que é possível ver pelo menos quatro “versões” diferentes do longa. Uma delas, inclusive, está disponível no DVD: foi montada pelo diretor para exibição na TV (só tome cuidado, pois ela é apresentada como atração principal no disco brasileiro – um equívoco, ao meu ver – enquanto a versão split screen vem como “extra”).
A cada vez que você assistir a “Nosso Amor do Passado”, será muito improvável vê-lo da mesma forma que a anterior. Não só pela percepção ou entendimento, mas de forma literal mesmo. É um filme no qual a expressão “para ser visto e revisto” se encaixa perfeitamente.
Sobre o DVD
Nosso Amor do Passado (Conversations with Other Women, 2005, Reino Unido/EUA, 84 min, 16 anos – VideoFilmes)
Direção: Hans Canosa
Elenco: Aaron Eckhart, Helena Bonham Carter
Idiomas: Inglês e Português – Legendas: Português
Vídeo: fullscreen (versão tela única), widescreen letterbox (versão tela dividida)
Áudio: Dolby Digital 2.0
Extras: não possui
Editor-chefe e criador do Cinematório. Jornalista profissional, mestre em Cinema pela Escola de Belas Artes da UFMG e crítico filiado à Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema) e à Fipresci (Federação Internacional de Críticos de Cinema). Também integra a equipe de Jornalismo da Rádio Inconfidência, onde apresenta semanalmente o programa Cinefonia. Votante internacional do Globo de Ouro.
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