Dirigido por Paulo Sérgio Almeida, o longa é algo a ser contemplado com um olhar de perplexidade: como uma produção que tem a pretensão de fazer carreira nos cinemas com uma ampla divulgação consegue ser tão ruim a ponto de se igualar àquelas bombas, que, pelo menos, ficaram restritas às poucas salas que ousaram exibi-las? É preocupante que majors como Buena Vista e Globo Filmes estejam apoiando a realização de atrocidades como esta.
Mais assustador ainda é que o roteiro leva a assinatura de Marcos Bernstein, um dos escritores mais aclamados da retomada. Ora, basta comparar sua filmografia com a do diretor: “Terra Estrangeira”, “Central do Brasil”, “Oriundi”, “O Xangô de Baker Street”, “O Outro Lado da Rua”, “Zuzu Angel”. Só que não dá nem para dizer que Almeida (que ostenta no currículo títulos como “Xuxa Popstar”, “Xuxa e os Duendes” e “Xuxa e os Duendes 2”, além daquele filme das Paquitas, “Sonho de Verão” – ou seja, vendeu a alma ao diabo, que pagou com juros) foi quem estragou o filme, porque a história é tão ridícula (baseada em um conto do escritor uruguaio Horácio Quiroga) e com diálogos tão pobres e vazios, que é difícil imaginar alguém tendo êxito em filmá-la.
Murilo Benício vive Diego, um ator de cinema que, poucos dias antes de seu casamento, reencontra um velho amigo de infância, o fotógrafo Guilherme (Caco Ciocler). Somente no dia da cerimônia é que Guilherme descobre que a esposa de Diego é Laura (Guilhermina Guinle), com quem ele teve um caso em Buenos Aires há pouco tempo e que logo se tornou “a paixão de sua vida”. Quando Diego descobre o que aconteceu entre os dois, é imediatamente tomado pelo cíume (esse danado) e decide confrontá-los.
Sim, o filme é sobre esse triângulo amoroso, o que não seria necessariamente um mal. Há filmes bons sobre triângulos amorosos (“Cidade Baixa”, para citar um exemplo brasileiro e recente), filmes medianos (“Proibido Proibir”, outro nacional lançado este ano) e filmes medíocres (que é onde “Inesquecível” se encaixa). O engraçado é que Murilo Benício começa dizendo que “pode parecer uma história de amor como tantas outras que já vimos, mas esta é diferente”. Só que de diferente não tem nada. Fiquei esperando até o final para ver se havia alguma virada genial na trama, mas era aquilo mesmo: nada mais do que um folhetim.
Há, no entanto, uma cena que de tão patética se torna antológica. Faço questão de descrevê-la aqui, portanto, se você não quiser saber (supondo que você realmente ainda pretende ver o filme), sugiro que pule para o último parágrafo.
Um pouco depois da metade da história, o personagem de Murilo Benício se mata em um acidente de carro. Antes, porém, ele havia voltado ao estúdio onde gravou seu mais recente filme e refez várias cenas. O lançamento acontece numa noite de gala, já que supostamente aquele é o último grande trabalho de um magnífico ator (algo em que somente os personagens parecem acreditar). Laura e Guilherme estão na sessão, claro, e junto com eles descobrimos que Diego transformou seu filme numa espécie de carta de acusação, culpando a esposa e o amigo por sua morte. Como? Reparem na sutileza: nas cenas que refez antes de bater as botas, ele olha diretamente para a câmera e diz: “Foi você!” Já está rindo? Calma, que eu ainda não cheguei na cena antológica.
Laura e Guilherme ficam com a imagem de Diego na cabeça. Era exatamente isso que ele queria: se tornar um fantasma para os dois e atormentá-los para não ficarem juntos. Essa sensacional vingança funciona em Guilherme, que é burro o suficiente para voltar ao cinema várias e várias vezes para tentar se livrar de Diego, ao invés de simplesmente evitar o tal filme e tocar sua vida longe dali. Mas é numa dessas idas ao cinema que “Inesquecível” faz jus ao seu título: na cena em que Diego aponta um revólver para a câmera, Guilherme se levanta da poltrona transtornado e também saca uma arma em direção à tela. Ele poderia dar tiros ali, a polícia chegar, prendê-lo e a história acabar com ele delirando em um manicômio. Mas esta seria uma solução para um filme normal, algo que definitivamente este não é. Já que foi tudo tão ridículo até ali, o diretor decide ir até o limite e fazer Diego sair literalmente da tela para confrontar Guilherme, mano a mano. Uau! Estão ali, na sala de cinema, o assombrado e a assombração. Diego vai se aproximando de Guilherme. Os dois apontando a arma um para o outro. Diego chega cada vez mais perto… Cada vez mais perto… Mais perto… Até entrar no corpo de Guilherme! E aí, ele se lembra do que Edward Norton fez no final de “Clube da Luta”… E aponta a arma para a própria cabeça!
Palmas, por favor. Sério! Palmas!
Talvez nem na época da pornochanchada, quando fez filmes como “Banana Split” e “Beijo na Boca”, Almeida tenha criado uma cena tão digna de risos. De fato, é um filme inesquecível, que ficará para a posteridade como uma das piores produções brasileiras desta década, se não de outras.
Editor-chefe e criador do Cinematório. Jornalista profissional, mestre em Cinema pela Escola de Belas Artes da UFMG e crítico filiado à Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema) e à Fipresci (Federação Internacional de Críticos de Cinema). Também integra a equipe de Jornalismo da Rádio Inconfidência, onde apresenta semanalmente o programa Cinefonia. Votante internacional do Globo de Ouro.