Viagem a Darjeeling

Para Wes Anderson, a famosa frase de Godard, “O travelling é uma questão moral”, parece ser algo como, “O travelling é uma questão trivial e banal”. Trivial, já que é um movimento de câmera comum na formação de sua mis-en-scène. E banal, porque o cineasta o utiliza tanto que se torna cansativo assisti-lo, especialmente neste “Viagem a Darjeeling”. Não só o travelling é usado a torto e a direito, mas a panorâmica, o zoom, a câmera lenta… Anderson não se contenta em criar um plano-assinatura: ele quer deixar sua marca no filme inteiro, quadro a quadro.

Este já é o quinto filme do diretor que começou com o despretensioso Pura Adrenalina, em 1996. Tal como no cinema de Quentin Tarantino, uma década depois já sabemos identificar o estilo de Anderson mesmo que seja em um comercial de TV. Uma cena em câmera lenta é legal, OK. Um pan da esquerda para a direita, depois para cima e para baixo, tudo em um plano-sequência, é legal, OK. Mas quando se faz isso cinco, dez, vinte vezes no mesmo filme, ou o diretor tem que apresentar uma proposta ou assumir de vez que preza o estilo em função da narrativa.



Anderson fica com a segunda opção. Auto-indulgência, superdireção, excesso de homenagens, todos são aspectos negativos que se encontra em “Viagem a Darjeeling”, e o mais curioso é que, mesmo levando tudo isso em consideração, o filme ainda é plenamente agradável de se ver. Não apenas pela plasticidade das imagens (obtidas na parceria de longa data com seu diretor de fotografia Robert Yeoman), mas também pelo humor atípico de Anderson, compartilhado com seus parceiros de roteiro Jason Schwartzman e Roman Coppola. Eles conseguem extrair de seus atores momentos do mais fino humor, seja em cenas em que eles se comportam como crianças, seja em momentos baseados no diálogo lacônico, irônico e ácido (ainda que a ausência da palavra sirva como justificativa para uma seqüência mais ao final, que tenta sintetizar os sentimentos daqueles personagens). O curta que precede o longa, aliás, jamais deveria ser separado da atração principal, já que oferece um prólogo para a história e também estabelece o estilo e o tom do que virá a seguir.

Se o cinema de Anderson se tornou gratuito ou não, se o prezo pela estética preciosista e pela composição à base de régua dos enquadramentos reprime o conteúdo ou não, são questões sobre as quais se debruçar e debater. Mas que “Viagem a Darjeeling” é um filme bonito demais de se ver, isso é. As escolhas feitas por Anderson foram todas conscientes, é claro. É bastante improvável que ele simplesmente foi filmando um amontoado de planos “cool” e só depois viu no que deu. Pode-se até interpretar que sua direção é propositalmente imperfeita, indo e voltando para o mesmo lugar com a câmera, quase que em movimentos robotizados. Uma direção imperfeita, tal como os personagens deste e dos filmes anteriores do diretor. Personagens que estão sempre em busca de uma autenticidade, seja ela moral, espiritual ou pessoal. E Anderson é autêntico em seu estilo. É como se nos dissesse: “Este sou eu, gostem ou não”. Isso é algo que deveríamos respeitar.

nota: 7/10 — vale o ingresso

Viagem a Darjeeling (The Darjeeling Limited, 2007, EUA)
direção: Wes Anderson; com: Owen Wilson, Adrien Brody, Jason Schwartzman, Amara Karan, Anjelica Huston, Camilla Rutherford, Waris Ahluwalia, Natalie Portman; roteiro: Wes Anderson, Roman Coppola, Jason Schwartzman; produção: Wes Anderson, Roman Coppola, Lydia Dean Pilcher, Scott Rudin; fotografia: Robert D. Yeoman; montagem: Andrew Weisblum; estúdio: American Empirical Pictures, Scott Rudin Productions; distribuição: Fox Searchlight Pictures. 91 min