Filmado na maior parte do tempo da perspectiva da garota Anna (vivida por Nina Kervel-Bey), com a câmera na altura de seus olhos, o filme diverte através da visão inocente da protagonista enquanto ela descobre aos poucos que uma “mudança” – como ela entende ingenuamente o ideal comunista – não representa necessariamente um mal. Para ela, a “mudança” defendida por seus pais (no caso, a vitória de Salvador Allende no Chile) representa mudar de casa, mudar a família, como se seus pais estivessem insatisfeitos com os próprios filhos. Não é à toa que ela prefere ficar na escola de freiras, que lhe oferece a “segurança” de um ensino padronizado e conservador. E Anna é uma criança, afinal de contas. O que ela quer mudar?
À medida em que barbudos começam a aparecer em sua casa, que ganha paredes avermelhadas, a menina vai compreendendo que seus pais querem, acima de tudo, o direito à liberdade – independente de ela ser conseguida através de um sistema político que, no fundo, pode ser tão ingênuo quanto a própria infância. Mas divago. O filme não é sobre o comunismo ser bom ou mau, embora exista ali um sentimento de frustração ao final. O trunfo de Julie Gavras aqui é a maneira como ela olha para a política, usando a inocência infantil para comentar noções que muitos adultos têm do que é o comunismo. Nesse sentido, ela se sai bem principalmente quando coloca a protagonista e seu irmão em cena (há um diálogo entre eles dentro do carro do pai que é hilariante).
Uma jóia do cinema europeu, “A Culpa é do Fidel” é mais adulto do que se pensa. “O Ano em que Meus Pais Saíram de Férias” e “Machuca” ganharam um irmão. Ou melhor, uma irmãzinha.
direção: Julie Gavras; com: Nina Kervel-Bey, Julie Depardieu, Stefano Accorsi, Benjamin Feuillet; roteiro: Julie Gavras (baseado no livro de Domitilla Calamai); produção: Sylvie Danton; fotografia: Nathalie Durand; montagem: Pauline Dairou; música: Armand Amar; estúdio: Gaumont, Les Films du Worso, B Movies, France 3 Cinéma; distribuição: Filmes do Estação. 99 min