Se você viu o trailer de “Once – Apenas Uma Vez” ou leu a sinopse, talvez você faça aquele olhar de descrença e pense: “Não pode ser tão bom assim como falam.” Essa reação se repete dentro do próprio filme, quando algumas pessoas são apresentadas ao personagem principal, um cantor e compositor que ganha a vida consertando aspiradores de pó e recolhendo trocados de transeuntes em suas apresentações de rua. Mas, tão logo ele começa a tocar e a cantar, essas pessoas vêem que ele é bom. Tão bom que chega a ser irreal. E à medida que o filme passa, é bem capaz de você também se livrar do preconceito.
Ainda que não seja um filme perfeito, “Once – Apenas Uma Vez” cativa o espectador por sua simplicidade e, mais do que isso, por o diretor e roteirista John Carney sempre procurar evitar os clichês desse tipo de história – os quais o trailer e a sinopse tentam criar para rotulá-lo como uma típica comédia romântica. Na verdade, ao assistir ao filme vemos o quanto os enlatados estão impregnados em nosso imaginário. A todo momento você espera que algo “predestinado” aconteça: uma idéia vai dar errado, um mau caráter vai aparecer, eles vão se beijar agora! E mesmo a conclusão que talvez você espere não se concretiza. Essas expectativas frustradas geram um efeito contrário: elas são boas, ao invés de causarem irritação.
Também agradam as músicas feitas pelo protagonista. Mas por mais que elas sejam o principal atrativo, o filme não é sobre a música. As canções são belas, mas funcionam muito melhor no cinema do que no CD player. O protagonista é um bom compositor, mas não é um gênio. O foco do filme não é se ele vai ficar famoso um dia, mas, sim, aqueles dias em que ele se reuniu com aquela garota e eles tiveram algo em comum. É aquele tipo de afinidade que faz você pensar: “Essa é a garota certa para mim”. E, nessas situações, os sentimentos borbulham. Mas temos aqui dois jovens adultos com maturidade suficiente para lidar com essa situação. E o filme é sobre esse dilema, esse frio na barriga que em certos momentos conseguimos perceber pelo olhar do rapaz, sentado num canto, contemplando o ar e tentando descobrir o que fazer.
Pode existir um problema ou outro de ritmo em algumas cenas musicais demasiadamente longas, mas o filme tem uma leveza tão boa (lembrando algumas vezes “Antes do Amanhecer”), que é difícil não gostar. São personagens do dia-a-dia, que sabemos que existem do lado de cá da tela. Há muito com o que se identificar ali.
direção: John Carney; com: Glen Hansard, Markéta Irglová, Hugh Walsh, Gerard Hendrick, Alaistair Foley, Geoff Minogue, Bill Hodnett, Danuse Ktrestova; roteiro: John Carney; produção: Martina Niland; fotografia: Tim Fleming; montagem: Paul Mullen; música: Glen Hansard, Markéta Irglová; estúdio: Samson Films, Summit Entertainment; distribuição: Imagem Filmes. 85 min