Característica da diretora Laís Bodanzky, aqui em seu segundo longa, a filmagem com câmera na mão funciona na maior parte do tempo. Ela já havia utilizado esse método em “Bicho de Sete Cabeças”, a fim de tornar tudo mais urgente e dar uma aproximação documental à história. Já em “Chega de Saudade”, a câmera quer ser o olho do espectador dentro desse baile. Tudo é filmado muito de perto, quase colado nos rostos dos atores em várias ocasiões, como se o filme estivesse tirando o público para dançar. E, devo dizer (mesmo correndo o risco de parecer um tanto idiota): é um convite irresistível.
O único problema com a câmera é que o diretor de fotografia Walter Carvalho algumas vezes se dá a uma liberdade excessiva, abusando de tomadas nas quais tira o foco dos atores, seja ao fundo ou mesmo em primeiro plano. Esses takes parecem meio despropositados ou fruto de um experimentalismo que costumamos ver em filmes de novatos, não de um veterano do calibre dele. Mas não é nada que comprometa o todo.
Voltando à influência de Altman, o elenco faz toda a diferença. Grandes nomes estão em cena e todos parecem absolutamente à vontade em seus papéis. Maria Flor, que interpreta uma das personagens principais, faz aqui talvez o seu melhor papel, como Bel, uma jovem indecisa sobre o futuro que a aguarda. A vida será mesmo feliz com o namorado mandão (Paulo Vilhena) ou é melhor ela seguir outro rumo? Stepan Nercessian, que leva a garota a seu momento de catarse, mostra o ótimo ator que é, com seu jeitão de malandro bon vivant. E o melhor da relação entre os dois é que ela não tem uma resolução clara, sendo fiel à proposta “realista” do longa. Acaba o baile, acaba o filme e cada um segue sua vida. O que Bel vai resolver podemos até imaginar, mas, felizmente, o roteiro de Luiz Bolognesi não fornece respostas.
Entretanto, o que torna “Chega de Saudade” tão especial é a forma como os idosos são retratados. Temos a relação tocante do ex-campeão de dança (Leonardo Villar) com sua namorada (Tônia Carrero), que aparenta sofrer os primeiros sinais do mal de Alzheimer; a solteirona (Betty Faria) que tenta conseguir um par para dançar, mas se vê forçada a correr atrás dos homens por conta própria; o mulherengo (Domingos de Santis) que leva a esposa para o baile, mesmo sabendo que a amante estará lá; a mulher madura (Cássia Kiss) que se vê derrotada pela mocidade de uma concorrente; e a mais surpreendente: a elegante senhora (Clarisse Abujamra) que tem cadeira cativa na casa e não renega o prazer carnal que o tango lhe proporciona. Bodanzky e Bolognesi quebram um tabu com essa personagem, já que dificilmente vemos o cinema tratar de sexo na terceira idade, sem que seja em tom cômico.
Provavelmente, entre todas as qualidades, a principal é que o filme mostra todos esses personagens não como idosos num baile para terceira idade, mas como pessoas que gostam de se divertir como qualquer outra. Temos aqui uma festa com tanta agitação quanto se pode imaginar que exista numa rave.
direção: Laís Bodanzky; com: Leonardo Villar, Tônia Carrero, Cássia Kiss, Betty Faria, Stepan Nercessian, Maria Flor, Paulo Vilhena, Elza Soares, Marku Ribas, Conceição Senna, Marcos Cesana, Clarisse Abujamra, Luiz Serra, Domingos de Santis, Jorge Loredo; roteiro: Luiz Bolognesi; produção: Laís Bodanzky, Luiz Bolognesi, Caio Gullane, Fabiano Gullane, Débora Ivanov; fotografia: Walter Carvalho; montagem: Paulo Sacramento; música: Eduardo Bid; estúdio: Gullane Filmes, Buriti Filmes; distribuição: Buena Vista. 95 min
Editor-chefe e criador do Cinematório. Jornalista profissional, mestre em Cinema pela Escola de Belas Artes da UFMG e crítico filiado à Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema) e à Fipresci (Federação Internacional de Críticos de Cinema). Também integra a equipe de Jornalismo da Rádio Inconfidência, onde apresenta semanalmente o programa Cinefonia. Votante internacional do Globo de Ouro.