Todos sabemos que a sociedade é uma merda muitas vezes. Qualquer pessoa já deve ter sentido vontade de largar o emprego, o casamento, os pais, o país. Mas do sentir essa vontade até chutar de fato o balde, é preciso ter muita coragem. E é preciso ter também um tanto de humildade – isto é, saber reconhecer o seu próprio valor e também ter a capacidade de se fazer reconhecer. Esta é uma noção que muitas pessoas confundem com egoísmo, por parecer que apenas os interesses pessoais é que importam. Mas, pior do que ser egoísta, não é alguém pensar que sabe o que é melhor para o outro? Prisão ideológica é o pior tipo de prisão – é feita para você não perceber que está nela.
A rebeldia é comum em muitos de nós. Para alguns, é mais fácil se guiar por ela. Chris McCandless, o nosso protagonista aqui, foi com tudo em direção ao desejo de se libertar da sociedade e se encontrar com a vida. E para alguém que vive na ironia de não ter tempo nem mesmo para ver os ponteiros do relógio girarem por completo no dia-a-dia, acompanhar a viagem dele pelos Estados Unidos, na tentativa, não de sumir no mundo, mas de se sentir pertencente a ele, é algo magnético demais para não se criar um vínculo muito forte com esse personagem, não necessariamente com seus motivos, mas com aquela força que o move a buscar a liberdade.
Se para Chris a vida não se resume a tirar carteira de motorista, concluir uma faculdade, conseguir um emprego e bater cartão todo dia, Sean Penn também não parece se contentar com o cinema como um conjunto de regras prontas. Nesta sua quarta investida na direção (terceira como roteirista), Penn conta a história de Chris de uma maneira tão natural, que faz o filme fluir com naturalidade, além da formalidade estética com que muitos de nós estamos acostumados. Isso funciona porque Penn está muito seguro no jeito como filma: mesmo sendo liberal, ele consegue ser elegante, equilibrado e poético na construção das cenas. Usa zoom, acelera e reduz a velocidade, enquadra planos abertos e fechados, faz o protagonista olhar para a câmera sem culpa. Penn está em comunhão com Chris e quer que o espectador também esteja. Acho que este é um dos tipos de direção mais autênticos a que se pode chegar, porque praticamente faz sentir que a câmera se emociona junto com o personagem.
Alguns diretores parecem perder esse tipo de identidade com o tempo, como por exemplo Cameron Crowe, autor de filmes tão pessoais como “Digam o que Quiserem”, “Jerry Maguire” e “Quase Famosos”. “Na Natureza Selvagem” é o filme que “Elizabethtown” queria ter sido: um filme de viagem, uma jornada homérica, tanto no sentido de ser épica, quanto no de ser espontânea. É um filme que inspira, e acho que esses são os que acabamos levando conosco na bagagem pela vida.
Não vamos nos levantar agora e dizer que Sean Penn fez de Chris McCandless algum tipo de símbolo de uma geração, alguém que viveu e morreu para deixar uma mensagem e fazer seguidores. Os filmes nos dizem várias coisas e o que Penn nos diz aqui é que aquele rapaz fez apenas o que ele sabia que era melhor para ele. A coragem para fazer isso é talvez o melhor exemplo que ele deixou, apenas vivendo-o.
direção: Sean Penn; com: Emile Hirsch, Marcia Gay Harden, William Hurt, Jena Malone, Brian H. Dierker, Catherine Keener, Vince Vaughn, Kristen Stewart, Hal Holbrook; roteiro: Sean Penn (baseado no livro de Jon Krakauer); produção: Art Linson, Sean Penn, William Pohlad; fotografia: Eric Gautier; montagem: Jay Cassidy; música: Michael Brook, Kaki King, Eddie Vedder; estúdio: Paramount Vantage, Art Linson Productions, River Road Entertainment; distribuição: Paramount Pictures. 148 min
Editor-chefe e criador do Cinematório. Jornalista profissional, mestre em Cinema pela Escola de Belas Artes da UFMG e crítico filiado à Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema) e à Fipresci (Federação Internacional de Críticos de Cinema). Também integra a equipe de Jornalismo da Rádio Inconfidência, onde apresenta semanalmente o programa Cinefonia. Votante internacional do Globo de Ouro.