Fiona (Julie Christie) e Grant (Gordon Pinsent) são casados há algumas décadas. Ela começa a sofrer lapsos de perda de memória, que evoluem o suficiente para que ela própria entenda que precisa de ajuda profissional. O marido, no entanto, é resistente à idéia de que a esposa passe a viver em uma clínica, ainda mais tendo que ficar um mês sem poder visitá-la, para que ela se adapte ao novo ambiente.
Pode parecer pouco tempo, afinal, existe quem não consegue esquecer a pessoa a quem ama, mesmo ficando distante dela por anos. Mas o temor de Grant, de que seja esquecido, é compreensível na sua situação. Mais do que compreensível, é admirável a sua reação frente às mudanças na vida da esposa, a partir daquela que é a cena mais emocionante de “Longe Dela”: após os trinta dias de distância, Grant enfim constata o quão longe ficou de Fiona. E o que é bonito pra caramba em sua atitude é o valor que ele dá àquilo que sua mulher (parece que) não se lembra mais. Nesse sentido, pode ser traçado aqui um paralelo com “Diário de uma Paixão”, filme bonito de Nick Cassavetes, escondido sob a roupagem de um romance juvenil.
Sensível na forma como lida com a doença de Alzheimer, “Longe Dela” se beneficia ainda mais pela direção serena de Polley, que entre os atores de sua geração faz uma das melhores transições da frente para trás da câmera. Ela não só se mantém fiel a um estilo tradicional de cinema, sem acrobacias típicas de um iniciante, como ainda cria belos planos simbólicos, como aquele que mostra as marcas de esqui na neve ou o momento em que a protagonista se deita sob os galhos secos das árvores – plongèe seguido por câmera subjetiva, combinação das mais interessantes.
O filme se perde um pouco quando muda o foco para a relação de Grant com a esposa do “amante” de Fiona (Olympia Dukakis), mas este é apenas um pequeno desvio. A força está mesmo na relação do casal, garantida pelas excelentes atuações de Christie e Pinsent (inacreditavelmente esnobado pelas principais premiações), e na percepção da importância do lembrar e do ser lembrado.
direção: Sarah Polley; com: Gordon Pinsent, Julie Christie, Olympia Dukakis, Michael Murphy, Deanna Dezmari, Alberta Watson; roteiro: Alice Munro (baseado no conto “The Bear Came Over the Mountain”, de Alice Munro); produção: Daniel Iron, Simone Urdl, Jennifer Weiss, Atom Egoyan; fotografia: Luc Montpellier; montagem: David Wharnsby; música: Jonathan Goldsmith; estúdio: The Film Farm, Foundry Films, Echo Lake, Pulling Focus Pictures; distribuição: MovieMobz. 110 min
Editor-chefe e criador do Cinematório. Jornalista profissional, mestre em Cinema pela Escola de Belas Artes da UFMG e crítico filiado à Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema) e à Fipresci (Federação Internacional de Críticos de Cinema). Também integra a equipe de Jornalismo da Rádio Inconfidência, onde apresenta semanalmente o programa Cinefonia. Votante internacional do Globo de Ouro.