Faço uma pausa nas obras do Cinematório para falar deste novo episódio de “Star Wars”, que agora assume a forma de animação computadorizada. Para ser bem sincero, digo que não fiquei de todo decepcionado como a maior parte das pessoas têm ficado. Não porque o filme seja agradável, mas porque minha expectativa já não era das maiores desde o dia em que a Lucasfilm anunciou o projeto.
É claro que eu fiquei entusiasmado com a idéia de voltar ao cinema para ver “Star Wars”, já que o Episódio III foi uma despedida. Portanto, este “The Clone Wars” (George Lucas não permitiu nem mesmo a tradução no subtítulo desta vez) deveria ser a celebração de (mais) um retorno dos fãs aos cinemas – ainda mais porque, inicialmente, este filme sequer seria feito. Não devemos nos esquecer de que isso que está em cartaz nada mais é do que a junção de três episódios da série animada que será transmitida na TV paga (Cartoon e TNT, a princípio) a partir de outubro. Mas já que George Lucas resolveu iniciá-la com um filme – e o mais importante: um filme que marca a estréia da sua nova companhia, a Lucasfilm Animation – eu imagino que ele já devia estar esperando uma recepção negativa, tendo em vista o material finalizado pelo diretor estreante Dave Filoni, que antes havia comandado apenas alguns episódios do desenho animado “Avatar”.
A inexperiência de Filoni com cinema e, mais que isso, com animação 3-D, é logo de cara evidenciada na primeira seqüência de batalha, quando vemos Obi-Wan Kenobi e Anakin Skywalker liderando uma tropa de Clone Troopers contra um exército de dróides. Os movimentos da câmera (virtual, claro) praticamente se repetem ao longo do confronto: como se fosse erguida por uma grua, ela começa de baixo, próximo aos soldados, levanta-se e vira-se para a direita, revelando, então, todo o cenário. Aliás, durante o filme inteiro nunca temos a impressão de que a câmera é utilizada naturalmente. Ela parece estar sempre pairando no ar, como se estivesse num compartimento sem gravidade. Vão me desculpar a babação de ovo para a Pixar, mas depois de ver o que Brad Bird e Andrew Stanton fizeram em “Ratatouille” e “WALL•E”, é inevitável não se sentir incomodado com a artificialidade da direção de Filoni.
Se o argumento de que “The Clone Wars” foi feito para TV pode ser usado para explicar a falta de cuidado na elaboração das cenas (a exceção fica por conta das cenas de ação e dos duelos de sabres de luz, já que estes não podiam faltar e tinham que ser obrigatoriamente bem feitos), ele também pode justificar a (falta de) qualidade da animação. Desde o primeiro trailer, já incomodava o aspecto “duro” das expressões faciais e das bocas dos personagens, como se a animação tivesse sido simplificada propositalmente para facilitar a dublagem das falas em outros países. Mas pior do que isso é a ausência de detalhes no design como um todo. Basta reparar nos cabelos, que não se mexem nem com o vento, ou na textura da pele, que faz os humanos parecerem feitos de lata como os robôs, ou mesmo nos Jawas, cujos mantos parecem ser feitos de tudo, menos de pano.
É uma economia que funciona de qualquer forma para uma série feita em grande número de episódios, poupando assim trabalho para os animadores. Mas não deixa de ser um grave incômodo, ainda mais quando já se tem um parâmetro de comparação: a micro-série também intitulada “Clone Wars”, exibida na TV antes do lançamento do Episódio III. Aquela série, dirigida por Genndy Tartakovsky (“O Laboratório de Dexter”, “Samurai Jack”), foi lançada posteriormente em DVD com todos os capítulos unidos, formando dois filmes de cerca de uma hora de duração. E se essas duas partes foram juntadas, temos praticamente um episódio 2.5 da saga, que é até melhor do que “A Ameaça Fantasma” ou “Ataque dos Clones”.
Tartakovsky seguiu para outros projetos, mas não se sabe porque o estilo daquela série não foi mantido para a nova “Clone Wars” (aliás, sabe-se, sim: 3-D é a tendência!). A mudança visual não vingou e também perdeu-se o carinho que a série anterior demonstrava para com o universo “Star Wars”. O uso da mitologia decepciona: de tanto que são usados, os comunicadores holográficos parecem ter se tornado telefones celulares; Yoda e Mace Windu, os mais poderosos guerreiros Jedi, apenas fazem pontas; as aparições de Padmé e C-3PO são forçadas; os dróides de combate estão mais idiotas do que de costume… Sem falar na trilha sonora, que chega ao cúmulo de assumir um ritmo indiano totalmente descabido. Enfim… Para completar, não ouvimos as frases clássicas, presentes em todos os filmes: “Que a Força esteja com você” e, claro, “Tenho um mau pressentimento sobre isso.” Podem me chamar de purista, mas essas coisas fazem falta.
Nem mesmo a história do novo filme (ou dos três primeiros episódios da nova série, como queiram) convence. Afinal, em nada ela influi nos eventos dos filmes e, se não tivesse sido contada, também não faria falta – pelo menos até agora, já que sabemos que a nova Jedi, Ashoka, não terá importância lá na frente. O mesmo pode ser dito dos novos membros da família Hutt, que aparecem para rivalizar em tosquice com os infames parentes de Chewbacca vistos no execrado especial de Natal de “Star Wars” dos anos 70. Eu, como fã, consigo tolerar Jar-Jar Binks (calma, ele não aparece!). Até gosto dele. Mas o bebê-Jabba (que é feio pra diabo, não por ser um Hutt, mas simplesmente porque foi mal desenhado) é intragável. Isto para não falar de Ziro, um cafetão afeminado, dublado como se fosse um personagem de “South Park”, que é tio de Jabba. Não é o fato de ele ser gay que é o problema. É apenas um personagem ridículo e desnecessário.
Se ao menos a subtrama envolvendo os Hutt funcionasse, poderíamos relevar a existência dessas novas criaturas. Mas, no fundo, a história é uma mera desculpa para a existência das cenas de ação (que existem em abundância, como não podia deixar de ser em uma série voltada principalmente para crianças) e para alimentar o enredo, que basicamente gira em torno do conflito entre República e Separatistas, e não no arco dos personagens. O filme acaba sendo pouco sustentável, como uma bobagem que comemos para enganar a fome. E fica a dúvida se essa fome realmente existe ou é apenas gula de ver mais “Star Wars”, uma vez que o espaço de tempo em que essa série se situa (antes mesmo da “Clone Wars” original, vale dizer) não fornece muito o que se instigar em relação ao desenvolvimento de uma história que todos nós sabemos como acaba. É claro que algumas perguntas ficaram no ar em “A Vingança dos Sith”, mas elas não justificam a criação de 100 episódios de meia hora cada.
Por ser uma prequel elevada ao cubo, a impressão é que “The Clone Wars” será repetitiva. Acaba parecendo que a Lucasfilm só queria mesmo encontrar uma maneira de continuar lucrando com “Star Wars”, agora se voltando exclusivamente para as crianças, que terão aqui a plataforma para conhecer mais a saga, colecionar brinquedos e passar tempo na frente da TV. Já para os adultos, que conviveram com uma trilogia sagrada na infância, resta depositar as esperanças na série live-action que vem por aí. Esta, sim, pode render bons frutos: afinal, existe uma distância enorme e pouco explorada na linha do tempo da saga, entre os Episódios III e IV.
direção: Dave Filoni; com vozes de: Matt Lanter, Ashley Eckstein, James Arnold Taylor, Dee Bradley Baker, Tom Kane, Nika Futterman, Ian Abercrombie, Corey Burton, Catherine Taber, Matthew Wood, Kevin Michael Richardson, Samuel L. Jackson, Anthony Daniels, Christopher Lee; roteiro: Henry Gilroy, Steven Melching, Scott Murphy; produção: George Lucas, Catherine Winder; montagem: Jason Tucker; música: Kevin Kiner; estúdio: Lucasfilm Animation; distribuição: Warner Bros. 98 min