O Procurado

Não há problema nenhum em gostar de “O Procurado”. É um filme muito pop, muito movimentado, muito bonito, muito CGI. Ele é tão extremo em tudo, que todos os aspectos que envolvem a tolice travestida de história apresentada aqui acabam por dar duas opções ao espectador: ame-o ou deixe-o.

Se você gostar, ótimo. Como o diretor Timur Bekmambetov eleva o status cool a níveis exarcebados, é fácil ignorar toda a maquinação fundamentalista por trás da tal fraternidade de assassinos. Você pode fazer isso e sair do cinema com um sorriso. É o que acontece, por exemplo, quando se assiste a filmes como “Carga Explosiva”, “Adrenalina” ou “Mandando Bala”: é tão legal ver aquele monte de cenas absurdas, que o enredo é só mesmo uma desculpa para estarmos ali.



A diferença é que esses filmes são caricaturais na essência. Já “O Procurado” vem demais para o lado de cá da tela. São mostradas perseguições alucinantes de carros no centro de uma metrópole, onde um dos veículos chega a tombar um ônibus cheio de passageiros na pista para poder se safar do adversário. Mais tarde, um outro acidente, de proporções ainda maiores e que faz um número muito mais elevado de vítimas, também serve apenas como artifício para a estrutura do roteiro.

Até “Duro de Matar 4.0” possui um certo grau de verossimilhança, por menor que ele seja. Já em “O Procurado”, Bekmambetov (assim como fez em “Guardiões da Noite”, seu primeiro filme) parece ignorar as mais simples relações de causa e conseqüência, em prol de seus devaneios sobre o que é fazer um filme de ação: efeito bullet-time e câmera lenta o tempo todo.

Mas não é o estilo do cineasta de origem soviética que incomoda tanto nesta sua primeira incursão no cinema hollywoodiano. É o aspecto moral deturpado da trama que realmente irrita. Como citei anteriormente, o próprio mote do filme já representa um problema: não há muita diferença entre a fraternidade de assassinos e uma religião fundamentalista, na qual os fiéis acreditam em tudo que lhes é dito. O que é aquele “tear mágico”? Deus manda matar e os coitados vão e cumprem “o que estava escrito”? E mesmo que o protagonista chegue a questionar o método do grupo (segundos antes de puxar o gatilho, vale notar), do que adianta, se, mais tarde, é confirmado que o tal tear é mesmo uma “entidade superior” que aponta quem deve ser morto?

Outro ponto que não me deixa gostar do filme é seu reacionarismo. O personagem de James McAvoy é um mané e, para ser “alguém na vida”, precisa de dinheiro e de recorrer à violência (ao que parece, ele trabalha num regime escravocrata e não pode simplesmente pedir demissão). É diferente de “Clube da Luta”, porque mesmo depois da catarse nas brigas e no vandalismo, no filme de David Fincher o protagonista continua vivendo no caos, em busca de uma satisfação impossível. Já em “O Procurado”, a violência é uma redenção, algo que torna o personagem principal uma “pessoa melhor” – e com a qual deveríamos nos identificar. O filme provoca o espectador várias vezes, com frases como: “Sou um otário como você, que está aí sentado” ou “O que você tem feito ultimamente?” A-ham.

Há também, claro, a celebração das armas de fogo. Fala-se muito em “torture-porn” hoje em dia, mas isso que vemos aqui é puro “gun-porn”. E Angelina Jolie parece ser a garota propaganda ideal da indústria armamentista, como já havíamos visto em “Sr. e Sra. Smith”. Não há muita diferença entre vê-la nesses dois filmes ou em “Chicks With Guns”.

Lembram-se de “Jackie Brown”?

Confesso que achei interessante a forma como os personagens se enfrentam com seus revólveres, usando a própria munição para se defenderem de outra bala, quase como se aquilo fosse um duelo de espadas. Aí, sim, Bekmambetov encontra uma boa solução na câmera lenta, assim como na cena em que mostra com detalhes os momentos em que o protagonista sofre um ataque de pânico.

Mas isto não é o bastante para fazer de “O Procurado” um filme bom, até porque ele conta com um roteiro muito falho (como acreditar que o pai do cara queria dar boas oportunidades de vida para o filho, quando constatamos que ele permitiu que o garoto virasse um idiota? Ah, claro: ele não queria perder a cadeira cativa de onde via a namorada do rapaz transando com outro. Pornografia de graça! Yes!).

Em certo momento, surge uma boa oportunidade que o filme poderia ter aproveitado para virar a mesa e reverter tudo o que foi dito e mostrado até ali. Seria uma reviravolta estupenda. Mas não adianta: o que Bekmambetov quer mesmo é convencer o espectador de que os assassinos são heróis. “Junte-se a nós!”, chama a campanha de divulgação.

Vão me desculpar, mas mesmo quem possui licença para matar, tem também consciência do que está fazendo, para quem está fazendo e porquê está fazendo. Os assassinos de “O Procurado”, pelo contrário, não passam de bandidos paus-mandados.

Definitivamente, não é de heróis que o mundo precisa

nota: 4/10 — não se culpe por não ver
O Procurado (Wanted, 2008, EUA/Alemanha)
direção: Timur Bekmambetov; com: James McAvoy, Morgan Freeman, Angelina Jolie, Terence Stamp, Thomas Kretschmann, Common, Kristen Hager, Marc Warren, David O’Hara, Konstantin Khabensky, Dato Bakhtadze, Chris Pratt, Lorna Scott, Sophiya Haque, Brad Calcaterra; roteiro: Michael Brandt, Derek Haas, Chris Morgan (baseado na graphic novel de Mark Millar e J.G. Jones); produção: Jim Lemley, Jason Netter, Marc E. Platt, Iain Smith; fotografia: Mitchell Amundsen; montagem: David Brenner; música: Danny Elfman; estúdio: Universal Pictures, Spyglass Entertainment; distribuição: Universal Pictures. 110 min