É este o principal problema de “Os Desafinados”: mais parece uma minissérie televisiva do que uma produção cinematográfica, não só na forma como é filmada, como também na estrutura episódica do roteiro. E como a duração ultrapassa cansativos 139 minutos, a experiência se assemelha a de assistir, numa sentada só, a uma dessas coleções de DVDs das minisséries da Globo.
Dá para ver que, por trás de todos os problemas, existe uma boa intenção no trabalho de Walter Lima Jr., encontrada no famoso verso de Tom Jobim e Newton Mendonça: “No peito dos desafinados também bate um coração”. Esta é a premissa do filme, que trata muito mais das relações e interações do grupo de amigos – formado por Rodrigo Santoro, Ângelo Paes Leme, Jair de Oliveira (o Jairzinho), André Moraes e o já citado Selton Mello – do que propriamente da música que eles fazem e do sucesso que almejam.
Episódio 1. Enquanto Dico quer trilhar a carreira cinematográfica, os outros quatro amigos, Joaquim, Davi, Paulo César e Geraldo, juntam-se para aproveitar a boa onda da Bossa Nova (estamos nos anos 60) e tentar emplacar suas músicas. Apenas uma consegue ser vendida para um produtor norte-americano, mas, por mais que o espectador esteja ciente de que aquilo não é sinônimo de sucesso imediato, o filme se recusa a mostrar no que resultou a tentativa do tal produtor de modificar a letra original para adequá-la ao inglês.
Penúltimo episódio. Dico, que foi a Nova York com os amigos para comprar uma câmera e documentar a grande noite em eles que tocariam no Carnegie Hall (só conseguiram chegar até a calçada, mas tudo bem), acaba sendo o único do grupo que realmente alcança algum reconhecimento – ao menos, dentro do universo semi-fantasioso do filme, já que o próprio Lima Jr. parece tão contente com a qualidade do filme dirigido por seu personagem, que decide presenteá-lo com o prêmio principal do Festival de Moscou, no auge do movimento comunista da época.
Já os Desafinados, desde sua estadia em NY, passaram a se preocupar muito mais em lidar com sua própria Yoko Ono, interpretada por uma bela (e dublada quando canta) Cláudia Abreu, do que em fazer música. Os polígonos amorosos que se desdobram a partir daí só afirmam o tom novelesco da história contada. Já no ato final, a unidade do filme acaba por ser negligenciada quando o diretor tenta uma última manobra para ruminar a narrativa, adotando um estilo semi-documental que coloca as versões jovens e mais velhas dos personagens no mesmo quadro.
Tal como acontece em “Árido Movie”, “Os Desafinados” precisa recorrer ao carisma de Selton Mello para ter seus melhores momentos. Nada contra o ator, que na maioria das vezes consegue fazer a pior das cenas funcionar. E quando isso é preciso, é sinal claro de que o filme tem problemas. No caso, parece que só mesmo se ele tivesse interpretado os cinco amigos, é que “Os Desafinados” teria salvação.
direção: Walter Lima Jr.; com: Rodrigo Santoro, Cláudia Abreu, Selton Mello, Alessandra Negrini, Ângelo Paes Leme, Jair de Oliveira, André Moraes, Arthur Kohl; roteiro: Walter Lima Jr. e Suzana Macedo; produção: Flávio R. Tambellini; fotografia: Pedro Farkas; música: Wagner Tiso; estúdio: Tambellini Filmes, Globo Filmes; distribuição: Downtown Filmes. 139 minutos