Sem delongas, abaixo estão mais algumas atrações do Festival. Mas não acabou. Tenho coisas não muito boas a falar sobre “Última Parada 174” e “Noites de Tormenta” e ainda irei comentar outros filmes (alguns, como os novos dos irmãos Dardenne e de Philippe Garrell – cujo cinema ainda não me afeiçoa – também estão no INDIE, portanto as coberturas vão se misturar em algum momento).
O Bom, o Mau, o Bizarro (Joheunnom nabbeunnom isanghannom ou The Good, the Bad, and the Weird, 2008, Coréia do Sul), de Kim Ji-woon. Novo trabalho do diretor do ótimo “O Gosto da Vingança” é, principalmente, uma comédia de ação. Faz sátira e ao mesmo tempo homenagem ao western. Funciona melhor quando é sátira, já que na homenagem se limita a quase parodiar cenas do clássico “Três Homens em Conflito”, cujo título original (“O Bom, o Mau e o Feio”) já serve como piada. Também por isso, em alguns momentos Ji-woon se excede e tenta ser Tarantino demais (chega até a usar a música “Don’t Let Me Be Misunderstood”, do Santa Esmeralda, já escutada em “Kill Bill: Volume 1”). De qualquer forma, as cenas de ação são na maioria satisfatórias, com boa e hábil movimentação da câmera em meio às coreografias no set (algo já observado no magnífico tiroteio final de “O Gosto da Vingança”). Incomodam um pouco as cores saturadas – utilizadas propositalmente para realçar o aspecto histriônico do filme – embora isso não comprometa o senso de composição dos planos. Dos personagens, só o “Mau” (Lee Byung-hun) é que não convence, pois parece mais uma caricatura afetada de Lee Van Cleef. Já os outros dois, o “Bom” (Jung Woo-sung) e o “Bizarro” (Song Kang-ho), funcionam melhor, talvez por formarem uma dupla, como acontece com Clint Eastwood e Eli Wallach no filme de Sergio Leone. Mas quem rouba a cena mesmo é o “Bizarro”. É uma diversão descompromissada, que se leva menos a sério do que o título pressupõe pela responsabilidade da referência. nota: 7/10 — vale o ingresso
Um Conto de Natal (Un conte de Noël, 2008, França), de Arnaud Desplechin. No que parece ser uma “versão cabeça” de “Tudo em Família” (aquela comédia dramática hollywoodiana com Diane Keaton, Sarah Jessica Parker e Luke Wilson), o novo filme de Arnaud Desplechin (“Reis e Rainha”) utiliza o típico enredo natalino: parentes se reúnem, mágoas engasgadas vêm à tona, relações rompidas são recuperadas. A diferença para a produção americana está, obviamente, no desenvolvimento dos personagens e na profundidade que o francês atinge no estudo das interações daquelas pessoas. O estilo de direção também é muito mais refinado, com Desplechin utilizando desde íris (para concentrar a atenção do espectador em determinado ponto do quadro) a split-screen – técnicas que hoje em dia não se vê com tanta freqüência. O ponto fraco fica por conta da longa duração. Por mais que você se envolva com o drama dos personagens, chega um ponto em que a sensação é de estar numa ceia de Natal de uma família que não é a sua. A companhia pode ser agradável, mas é desnecessário passar o dia inteiro com eles. nota: 6/10 — vale o ingresso
Cavalo de Duas Pernas (Asbe du-pa ou Two-Legged Horse, 2008, Irã), de Samira Makhmalbaf. Não se via um cineasta ser tão impiedoso com seu protagonista provavelmente desde Mel Gibson em “A Paixão de Cristo”. O título do novo filme de Samira Makhmalbaf (“A Maçã”, “Às Cinco Horas da Tarde”) se refere a um menino pobre, com claros indícios de deficiência mental, que aceita um “emprego”: carregar nas costas um garoto rico que perdeu as duas pernas. Os dois atravessam a relação empregado-patrão e, após desentendimentos, desenvolvem uma amizade no mínimo excêntrica. Afinal, o menino pobre aceita toda a submissão que o garoto rico lhe impõe. E numa desesperada atitude para sair do buraco onde vive e ser reconhecido por alguém, ele aceita se tornar (atenção: literalmente!) um cavalo. Sim, com direito a sela, ferradura, alfafa e, acreditem… Bom, mesmo sendo o fim da picada o desprezo ao qual o menino é submetido ao final, não me sinto no direito de descrever spoilers. O provável objetivo de Samira é mesmo o da denúncia social, mas fazê-la por meio de tanto sofrimento, para infligir no espectador algum sentimento de culpa ou mesmo compaixão, não é algo que deva ser aplaudido. nota: 1/10 — pura perda de tempo
Liverpool (2008, Argentina/França/Holanda/ Alemanha/Espanha), de Lisandro Alonso. Este filme do argentino Lisandro Alonso traz provocações suficientes para gerar uma mesa-redonda dedicada a ele. “Liverpool” é estética pura, com enquadramentos milimetricamente organizados e fotografados sob um prisma contemplativo muito belo, seja no porão de um navio, numa cozinha de hotel ou numa paisagem bucólica da extremidade sul-americana do arquipélago de Tierra del Fuego. É um filme aquário, onde a câmera raramente se move, desafiando o público a prestar atenção às mínimas ações dos personagens ou mesmo ao “nada” que paira na tela. Sim, este é daqueles filmes “sem história”. E Alonso faz do espectador um expectador até o último plano, deixando-o na espera de que algo aconteça que justifique a viagem do protagonista para ver a mãe, ou até mesmo o significado do título. Embora seja difícil (ou nem tanto), “Liverpool” conta, sim, uma história e constrói significados. O que o diretor pede é paciência e atenção da platéia. Não é muito. E vale a pena. nota: 7/10 — veja sem pressa (mesmo)