No caso, o cenário principal é Devonshire, região no sudoeste da Inglaterra. Georgiana (Knightley) é negociada (não há termo mais adequado) por sua mãe, Lady Spencer (vossa realeza, Charlotte Rampling), para um casamento com William Cavendish, o duque de Devonshire (Ralph Fiennes). A História diz que Georgiana foi uma celebridade em sua época, tendo sido uma figura influente no meio artístico e político. No filme, vemos Georgiana participar de campanhas e proferir discursos, mas nunca esses momentos são a razão de ser das cenas – servem apenas para estabelecer a situação, onde o que realmente importa são as conversas tidas à sombra das cortinas, nos cantos dos salões e corredores, ou mesmo à mesa durante uma refeição.
Tais conversas giram em torno de um único assunto: a infeliz vida amorosa de Georgiana. Inicialmente feliz por ter se tornado uma duquesa, logo a jovem sente o desprezo machista de seu marido, que pensa e age com o pênis. O personagem de Fiennes lembra o de Eric Bana em “A Outra”: tanto o duque quanto o rei Henrique VIII se desfazem de suas companheiras porque elas não conseguem gerar um herdeiro do sexo masculino. Esse “desfazer”, porém, é relativo: o divórcio é um escândalo, então, a solução é conseguir uma(s) amante(s) e ser discreto – recomedação do próprio duque. Discrição esta que Georgiana não suporta, já que vê sua melhor amiga (Hayley Atwell) se tornar a segunda esposa não-oficial do duque e ainda tem que dividir a casa com ela. Vendo-se privada de também ter um amante, ela é obrigada a se contentar com o casamento de aparências (por esse lado, Maria Antonieta aproveitou mais a vida).
É compreensível que o papel da feminilidade numa sociedade como aquela se torne um tema de preferência, uma vez que a mulher contemporânea é cada vez mais independente e quer se enxergar na tela (Sofia Coppola entendeu isso). Ou, como é o caso aqui, ela pode tomar as dores da protagonista e se indignar por ela. Saul Dibb, o diretor, que também assina o roteiro, segue essa linha, mas, como Justin Chadwick em “A Outra” e Shekhar Kapur em “Elizabeth – A Era de Ouro”, se rende aos padrões do que se entende por “filme de época” (cenários e figurinos deslumbrantes, tomadas contemplativas, trilha sonora pomposa) e o tom romanesco predomina. Acaba que esses filmes se vêem diante de uma contradição: falta-lhes atitude, justamente aquilo que seu público-alvo mais procura.
direção: Saul Dibb; com: Keira Knightley, Ralph Fiennes, Charlotte Rampling, Dominic Cooper, Hayley Atwell, Simon McBurney, Aidan McArdle; roteiro: Jeffrey Hatcher, Anders Thomas Jensen, Saul Dibb (baseado no livro de Amanda Foreman); produção: Michael Kuhn, Gabrielle Tana; fotografia: Gyula Pados; montagem: Masahiro Hirakubo; música: Rachel Portman; estúdio: Paramount Vantage, Pathé, BBC Films; distribuição: Paramount Pictures. 110 min
Editor-chefe e criador do Cinematório. Jornalista profissional, mestre em Cinema pela Escola de Belas Artes da UFMG e crítico filiado à Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema) e à Fipresci (Federação Internacional de Críticos de Cinema). Também integra a equipe de Jornalismo da Rádio Inconfidência, onde apresenta semanalmente o programa Cinefonia. Votante internacional do Globo de Ouro.