No making of que acompanha o disco, Spielberg relembra que a tal cena não foi filmada simplesmente porque era impossível de ser feita naquela época. Era o seguinte: um torpedo seria disparado de um submarino japonês em direção ao litoral de Los Angeles. Chuck Jones, genial, desenhou o torpedo atravessando o chão e levantando o asfalto como se estivesse na água – exatamente como seria se a cena pertencesse a um desenho animado.
Dá para sentir aí como Spielberg quis despirocar mesmo com o filme. E ele chegou a pedir ao A.D. Flowers, mestre técnico em efeitos especiais, que elaborasse um mecanismo que causasse o efeito do chão se levantando. No DVD, são mostradas imagens dessa geringonça em ação. O resultado ficou um pouco tosco, mas dá para ver que Flowers chegou perto do que Chuck Jones pensou.
O problema é que a seqüência não parava no torpedo atravessando o chão. Depois que o efeito foi mostrado a Spielberg, Flowers conta, o diretor disse que no set ele iria querer que uma motocicleta fosse perseguida pelo torpedo em uma rua, sendo quase atropelada por um caminhão ao passar por um cruzamento. Não deu outra: Flowers vetou a realização da cena, porque o trilho por onde o torpedo passaria debaixo do solo não suportaria o peso da moto – quanto mais o de um caminhão.
Spielberg chega a dizer que hoje em dia, com computação gráfica e tudo mais, a filmagem da seqüência encomendada a Chuck Jones seria possível (se o filme fosse do George Lucas, a cena já teria sido feita e incorporada à edição especial do filme, obviamente). Então, foi inevitável pensar: não se encontram mais profissionais no mercado como A.D. Flowers, Jim Henson, Ray Harryhausen… A morte de Stan Winston este ano praticamente decretou a extinção desse tipo de artista. E por mais que existam técnicos em CGI de extrema competência, não consigo prever que algum irá ganhar um Oscar especial ou mesmo ser lembrado na posteridade por seu trabalho, ser requisitado por diretores etc.
Não dá para laurear alguém como “o criador do monstro de Cloverfield” ou “o criador do Gollum”, porque quem leva a fama quando o assunto é CGI são as empresas, WETA, IL&M, Imageworks, e não um especialista, como acontece quando nos referimos a Winston como “o criador do Predador, do Alien e do Terminator”. O mesmo acaba acontecendo com a animação: Walt Disney, Chuck Jones, Joseph Barbera deram lugar a Pixar, PDI, Blue Sky… Ah, mundo corporativo.
P.S.: Spielberg voltou a trabalhar com Chuck Jones depois, mesmo que indiretamente. O cineasta foi produtor executivo de “Gremlins”, “Gremlins 2”, “Viagem Insólita” (todos de Joe Dante) e “Uma Cilada Para Roger Rabbit”, filmes dos quais o animador participou seja fazendo uma ponta ou emprestando seu talento na animação de alguma seqüência ou como consultor em outras.
Editor-chefe e criador do Cinematório. Jornalista profissional, mestre em Cinema pela Escola de Belas Artes da UFMG e crítico filiado à Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema) e à Fipresci (Federação Internacional de Críticos de Cinema). Também integra a equipe de Jornalismo da Rádio Inconfidência, onde apresenta semanalmente o programa Cinefonia. Votante internacional do Globo de Ouro.