Austrália

Pelo menos dois clássicos do cinema hollywoodiano vêm a mente enquanto se assiste a “Austrália”, quarto filme de Baz Luhrman. De “…E o Vento Levou”, sai a inspiração para a trama romântica que acontece em meio à guerra. Já de “Assim Caminha a Humanidade”, o longa toma emprestado o tema da edificação de uma sociedade a partir da rivalidade entre homens do campo e de um acontecimento determinante: o bombardeio da cidade de Darwin pelos japoneses após o ataque a Pearl Harbor, durante a Segunda Guerra Mundial.

Nicole Kidman interpreta uma mulher da aristocracia inglesa que viaja até a região norte da Austrália, onde seu marido lhe deixa um rancho e um rebanho de duas mil cabeças de gado. Para não perder o negócio, ela precisa contar com a ajuda de um vaqueiro, vivido por Hugh Jackman (a legendagem brasileira traduz erroneamente o nome do personagem, conhecido apenas como “Drover”, para “Capataz”).



Existe ainda um personagem muito importante: o garoto aborígene Nullah (o estreante Brandon Walters), que é quem narra a história para o público. O letreiro no início do filme informa que o menino pertence à chamada “geração perdida” do povo nativo australiano, já que o preconceito e o racismo, além do total desrespeito pela cultura local, fez com que muitas dessas crianças fossem tiradas de suas famílias para serem “educadas” e se tornarem “civilizadas”.

Também a exemplo de “…E o Vento Levou” e “Assim Caminha a Humanidade”, “Austrália” é um filme longo, com quase três horas de duração. Para quem gosta de romances épicos e tradicionais, isso não será um problema: Luhrman oferece todos os elementos que agradam a essa porção da platéia (uma grande porção, presumo) e preenche todo o tempo gasto com uma história de amor previsível (mas que felizmente não chega a ser irritante), uma aventura cross-country razoável, conflitos típicos de uma novela (prato cheio para quem gostou de “América” ou “Ana Raio e Zé Trovão” – alguém se lembra dessa?), além, claro, do espetáculo da guerra, com direito a efeitos especiais, explosões e chororô. E eu mencionei que os figurinos, a direção de arte e a fotografia são belíssimos?

Já quem procura por algo mais ousado ou empolgante, justamente o que Luhrman costumava oferecer, pode ficar entediado na poltrona. Logo depois de vermos um David Fincher pouco inspirado, vem agora o cineasta australiano oferecer um filme que mal mal lembra o realizador interventor de “Moulin Rouge!” e da versão moderna de “Romeu e Julieta”. Apenas nos 10-20 minutos iniciais, Luhrman é realmente Luhrman: o diretor pop que gosta de brincar com efeitos, que ironiza os estereótipos (os cangurus, os aborígenes corredores, o vaqueiro saradão) e que novamente pede uma atuação exagerada (e divertida) de sua atriz principal.

Para quem curte esse estilo despojado que fez tão bem a “Moulin Rouge!” e “Romeu + Julieta”, o começo de “Austrália” dá esperança de que a jornada até os créditos finais será agradável. Mas não demora muito e o filme se torna tão convencional e careta quanto qualquer outro épico romântico de guerra que já foi feito e refeito desde a época em que os clássicos eram lançamentos. A partir de certo momento, principalmente quando tem início a segunda parte da história (se Quentin Tarantino fosse o diretor, o longa seria dividido em dois volumes), Luhrman parece temer ser desrespeitoso com a história de seu país e adota uma narrativa arrastada e piegas. E o pior: prolonga excessivamente o drama do rancho e da relação entre Kidman e o garoto Nullah, fazendo com que o episódio do bombardeio não tenha a importância que deveria ter.

A trilha sonora de David Hirschfelder também se torna cansativa, especialmente pela evocação exaustiva das notas da canção-tema de “O Mágico de Oz”, “Over the Rainbow” (afinal, “Oz” é o apelido da Austrália e não se poderia perder o trocadilho).

Tal como “Benjamin Button”, “Austrália” parece sofrer do mal do excesso de talentos reunidos. Afinal, o roteiro contou com nada menos do que quatro roteiristas, sendo dois deles Ronald Harwood (“O Pianista”, “O Escafandro e a Borboleta”) e Stuart Beattie (“Colateral”, “Piratas do Caribe”). Luhrman também assina o script, como fez em seus trabalhos prévios. A diferença é que antes ele era um contador de histórias. Agora, parece ser mais um professor de História – e daqueles que fazem a gente dormir em cima da carteira.

nota: 5/10 — veja sem pressa

Austrália (Australia, 2008, Australia/EUA)
direção: Baz Luhrmann; com: Nicole Kidman, Hugh Jackman, David Wenham, Brandon Walters, Bryan Brown, David Ngoombujarra, David Gulpilil, Jack Thompson; roteiro: Stuart Beattie, Baz Luhrmann, Ronald Harwood, Richard Flanagan; produção: G. Mac Brown, Catherine Knapman, Baz Luhrmann; fotografia: Mandy Walker; montagem: Dody Dorn, Michael McCusker; música: David Hirschfelder; estúdio: Bazmark Films, 20th Century Fox; distribuição: 20th Century Fox. 165 min