Sam Mendes, que chega agora ao seu quarto longa-metragem, estreou justamente tocando nessa ferida da sociedade, e começando pelo fim: na memorável abertura de “Beleza Americana”, o personagem de Kevin Spacey anuncia para a platéia que está morto. Pois em “Foi Apenas um Sonho” – título em português que não tem nada a ver com o original, “Revolutionary Road”, mas que acaba sendo bastante sugestivo – Mendes retorna aos temas que trabalhou tão bem em seu clássico moderno, porém numa espécie de pré-continuação.
Se “Beleza Americana” se passa nos anos 90, a adaptação do livro de Richard Yates é assumidamente um filme de época, situado em meados da década de 50. Mas não espere ver aqui um filme embalado por trilha sonora alegre, daqueles tempos que até hoje inspiram imagens coloridas e pré-revolucionárias. Os poucos momentos de conforto que os personagens de Leonardo DiCaprio e Kate Winslet experimentam em “Foi Apenas um Sonho” duram apenas os minutos iniciais do longa. Em um corte, o espectador já é transportado para a crise que aquele casal atravessa. Os bate-bocas, as insatisfações, as explosões de raiva vão pontuar a narrativa, que se traduz em um verdadeiro pesadelo. É o personagem de Michael Shannon, o perturbado John Givings, que acaba representando o sentimento provável despertado diante da relação entre April e Frank: “Ainda bem que eu não serei essa criança”, ele diz, apontando para o ventre recém-fecundado da sra. Wheeler.
Em seus filmes anteriores, Mendes demonstrou um apreço singular pela estética de cada cena, com enquadramentos sempre bem equilibrados e com uma qualidade fotográfica impactante, se não icônica. Mesmo após a morte do genial Conrad L. Hall, com quem colaborou em “Beleza Americana” e “Estrada Para Perdição”, o cineasta se deu muito bem com o diretor de fotografia Roger Deakins (gentilmente cedido pelos irmãos Coen) em “Soldado Anômimo”. A parceria é repetida em “Foi Apenas um Sonho”, mas na busca de um outro resultado. O filme continua bem enquadrado, mas não há aqui um grande número de tomadas marcantes. Talvez a única pela qual o longa será lembrado é aquela em que Kate Winslet aparece de costas para a câmera e de frente para uma janela (aliás, uma das cenas mais assombrosas que a leva de 2008 do cinema americano produziu).
A decisão de Mendes em não estetizar demais seu filme tem uma ligação clara com a ênfase que ele dá ao drama conjugal. O filme é narrado com foco na reflexão daqueles personagens sobre a decepção, a tristeza, a conformidade quase imperativa de suas vidas e, acima de tudo, o desejo frustrado de se realizar individualmente (novamente citando John Givings: “Se você quer brincar de casinha, tem que arrumar um emprego. Se você quer brincar de lar doce lar, tem que arrumar um emprego do qual não gosta.”). Um filme pessimista, sim. Mas ninguém disse que a vida a dois é uma alegria enlatada com prazo de validade indefinido – algo que o vizinho vivido por David Harbour, outro grande personagem, acaba por também perceber, porém em um nível de consciência mais sóbrio.
A inspiração clara no cinema de Douglas Sirk – cujos melodramas centrados na vida doméstica são apreciados por seu senso de ironia velado e sutil na intenção da crítica social – faz de “Foi Apenas um Sonho” um trabalho em parte repetido de Sam Mendes, mas ainda assim provocativo e intenso.
direção: Sam Mendes; com: Leonardo DiCaprio, Kate Winslet, Michael Shannon, Ryan Simpkins, Ty Simpkins, Kathy Bates, Richard Easton, Zoe Kazan, David Harbour, Kathryn Hahn, Dylan Baker; roteiro: Justin Haythe (baseado no livro de Richard Yates); produção: Bobby Cohen, John Hart, Sam Mendes, Scott Rudin; fotografia: Roger Deakins; montagem: Tariq Anwar; música: Thomas Newman; estúdio: BBC Films, DreamWorks Pictures, Evamere Entertainment, Goldcrest Pictures, Neal Street Productions; distribuição: Paramount Pictures. 119 min