“Quem Quer Ser um Milionário” é um filme bacana, positivo, levanta o ânimo, mas é só isso. Para ser sincero, considero este o trabalho menos inspirado de Danny Boyle (OK, “A Praia” talvez mereça mais essa classificação) e o roteiro de Simon Beaufoy me irrita muito. É uma das coisas mais convencionais (oh, que coisa ir e voltar na ordem cronológica!) e forçadas (ligar a vida do menino a cada resposta do jogo? Pffff…) que vi desta leva do Oscar. Pelo menos não premiaram Eric Roth, que parece ter pegado o roteiro de “Forrest Gump” e reciclado na forma de “Benjamin Button”. Mas já falamos exaustivamente sobre esse assunto.
Meu favorito entre os indicados era “Milk”, tanto para Filme quanto para Direção. Acabou ficando com Roteiro Original e Ator. O roteirista Dustin Lance Black, aliás, fez um dos mais tocantes e relevantes discursos da noite ao falar abertamente sobre a questão homossexual e os direitos civis, recebendo mais tarde o apoio declarado de Sean Penn – que, aliás, fez questão de citar seu amigo e “concorrente” Mickey Rourke quando foi receber seu prêmio, numa atitude muito cordial e merecida. E por falar em discursos e prêmios para atores, a vitória já esperada de Heath Ledger com o Coringa rendeu a mais bela e justa homenagem que o ator recebeu desde que começou a ser premiado pelo papel. Não pude evitar verter lágrimas ao ver os pais recebendo a estatueta em nome do filho morto. Merecedíssimo prêmio – creio que em vida Ledger também teria ganhado – e correta atitude da Academia de não ligar o cronômetro para o agradecimento da família.
Com a limpa que “Slumdog” fez, a distribuição das demais estatuetas ficou equilibrada: “Benjamin Button” levou três (e perdeu dez! ha ha ha! lero lero!), “Batman” e “Milk” ganharam duas e, com uma, ficaram “O Leitor (Kate Winslet, finalmente!), “Vicky Cristina Barcelona” (Penélope, enfim!), “A Duquesa” (o estranho no ninho do ano) e o japonês “Departures”, que desbancou os favoritos a Melhor Filme Estrangeiro “Entre os Muros da Escola” e “Valsa com Bashir”, tornando-se a única grande surpresa da noite.
“WALL-E” também ganhou um Oscar, de Longa de Animação. E aqui cabe meu protesto: foi vergonhosa a apresentação da categoria este ano. Se o uso de personagens animados em anos anteriores já havia se desgastado, colocar Jack Black (OK, ele dublou o Kung Fu Panda) e Jennifer Aniston (confesso que não entendi) para entregar o troféu se mostrou desnecessário. E para piorar, o clipe de retrospectiva das animações de 2008 só mostrou trechos de filmes que todo mundo conhece, como se não tivessem sido lançadas outras animações ao longo do ano. Nem mesmo “Valsa com Bashir” foi mostrado. Ao invés disso, revezaram cenas de “WALL-E”, “Horton e o Mundo dos Quem”, “Bolt”, “Kung Fu Panda”, “Madagascar 2″…
Por outro lado, a categoria Documentário teve seu devido reconhecimento, tomando quase um bloco inteiro. Com um clipe dirigido por ninguém menos que Albert Maysles, apresentando cada filme indicado (o vencedor foi o favorito, “Man on Wire”), o prêmio foi entregue por Bill Maher, que ano passado estrelou “Religulous” e ainda encaixou piadas sobre religião em seu monólogo de introdução.
Já que comecei a falar da cerimônia, vale dizer que as “grandes mudanças” prometidas pela Academia foram uma grande farsa. Foi um Oscar como qualquer outro, com longas três horas e meia de duração e a mesma fórmula de sempre: prêmio-clipe-intervalo-show-prêmio-intervalo etc. É claro que houve mudanças, mas não foi mais do que se espera ver de diferente a cada ano. De novidades relevantes mesmo só a nova disposição das poltronas (mais juntas ao palco, o que trouxe um clima mais “íntimo” por aproximar platéia e apresentadores) e a forma de apresentar as categorias de atuações. Para cada uma, foram convidados cinco vencedores das estatuetas e eles apresentavam brevemente cada um dos indicados (aliás, colocar Christopher Walken para falar do Michael Shannon só pode ter sido piada interna – pareciam pai e filho de tão parecidos). Tudo bem que alguns textos foram bem piegas, mas o legal disso foi dar a cada nomeado seu minuto de reconhecimento (alguns chegaram até a se emocionar ali mesmo, antes mesmo do anúncio do vencedor) e não apenas aquele clipe com uma cena do filme seguido de um close-up da pessoa na platéia.
No mais, os produtores da cerimônia, Laurence Mark e Bill Condon, como esperado, enfiaram números musicais onde podiam e não podiam (nem mesmo o tradicional clipe in memorian escapou de ter como fundo uma apresentação ao vivo de Queen Latifah). Ficou explicado porque Hugh Jackman foi escalado como anfitrião, já que suas únicas aparições marcantes foram cantando e dançando em dois desses números: um coreografado por Baz Luhrman e com participações de Beyoncé e do casal de High School Musical, fazendo um apanhado de vários musicais famosos (sim, pela enésima vez o Oscar teve um daqueles pout-pourris com canções-tema), e o outro logo no início da cerimônia, na apresentação dos principais indicados (não tinham dito que essa abertura seria extinta?). De resto, Jackman teve uma presença apagada, embora tenha demonstrado muito carisma nas ocasiões em que deu as caras.
Só para completar: os clipes deste ano funcionaram como uma retrospectiva de 2008, e foi sentida a ausência dos trechos de filmes clássicos já premiados pela Academia (esses só apareceram no clipe final, muito bem editado por sinal, que ligou os indicados a Melhor Filme a outros vencedores do Oscar com os quais eles compartilham seus temas). Da dezena de clipes mostrados, gostei daquele escrito por Judd Apatow e Seth Rogen, relembrando as comédias do ano com os personagens de “Pineapple Express” (embora a piada com “O Leitor” e “Dúvida” tenha soado um pouco desrespeitosa para a ocasião). Por outro lado, a apresentação dos indicados a Melhor Fotografia foi desastrosa. Perdeu-se uma oportunidade de valorizar o trabalho de um dos principais profissionais de uma equipe de cinema, para fazer uma piada sobre o “rapper” Joaquin Phoenix, com Ben Stiller fazendo a imitação do ator.
Isso é só um reflexo do que foi a Academia neste e em outros anos, desde as indicações, passando por suas regras voláteis e confusas, até chegar à cerimônia e à premiação: deixam de dar a devida atenção a quem merece. Mas no fim é tudo parte do jogo, não é mesmo?
Editor-chefe e criador do Cinematório. Jornalista profissional, mestre em Cinema pela Escola de Belas Artes da UFMG e crítico filiado à Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema) e à Fipresci (Federação Internacional de Críticos de Cinema). Também integra a equipe de Jornalismo da Rádio Inconfidência, onde apresenta semanalmente o programa Cinefonia. Votante internacional do Globo de Ouro.