E não podia ser diferente, já que é justamente a mise-en-scène de Ceylan que chama mais a atenção na tela – isto é, este é daqueles filmes em que vemos exatamente o que é a chamada “direção rigorosa”, onde cada plano é cuidadosamente estudado, de composição caprichada e milimétrica, e vários desses planos duram muitos minutos. É o tipo de filme em que o público deve ter a paciência de um observador para poder aproveitar a experiência.
Porém, “3 Macacos” é bastante diferente de “Entre os Muros da Escola”, que ganhou a Palma de Ouro em Cannes também em 2008. No filme de Laurent Cantet, a câmera também funciona como olhar observador, mas de uma forma que se mistura com o ambiente onde o filme se passa, levando o espectador junto num processo de imersão. Já “3 Macacos”, apesar de ser um filme muito bonito esteticamente, não proporciona esse envolvimento mais profundo. Na direção de Ceylan, a câmera está consciente de estar fazendo um filme: sabe que está posicionada de tal forma, que está se movimentando de tal jeito. E deixa o espectador também ciente de que ele está no cinema, cria esse distanciamento. Novamente a título de comparação, em “Entre os Muros” a câmera é praticamente invisível (a não ser por algumas raras ocasiões) e leva você a fazer parte daquele mundo.
Não é que a maneira de filmar de Ceylan seja “pior” ou “errada”. Nada disso. É uma saborosa tendência que tem se tornado opção frequente de cineastas contemporâneos, em filmes recentes como o belíssimo “Luz Silenciosa”, de Carlos Reygadas, o polêmico “Brown Bunnny”, de Vincent Gallo, o divertido “Na Cidade de Sylvia”, de José Luis Guerín, ou ainda o desafiador “Liverpool”, de Lisandro Alonso (esses dois últimos ainda restritos ao circuito de festivais no Brasil).
Ceylan sabe narrar muito bem a história através apenas das imagens, com o mínimo de cortes, de diálogos e de movimentação possível. Existem cenas extremamente descritivas (como aquela no primeiro ato em que o filho chega em casa machucado) e que são resolvidas em três ou quatro cortes, uma ou duas falas. É bem econômico nesse sentido. Outra boa sacada são as cenas de sonho/ilusão, que ele resolve com o mínimo de efeitos de câmera (por exemplo, usando apenas uma desfocagem ou uma sutil câmera lenta). Um bom exemplo, as aparições do fantasma do filho pequeno, que morre antes de o filme começar, surgem de forma natural, sem anunciar que estão chegando.
A direção metódica de Ceylan enche os olhos, mas maneira um tanto fria com que o cineasta olha para seus personagens impede que nos aproximemos mais do drama que eles vivem. A distância física que Ceylan toma ao enquadrá-los sob a opressão constante do céu pesado se traduz também numa distância emocional, quase científica, como se aquelas pessoas tivessem sido colocadas sob um microscópio. Por outro lado, há de se considerar que se fosse realizado de maneira mais passional, “3 Macacos” corria o risco de virar um dramalhão, muito disso em função do instabilidade emocional da personagem da mãe.
A metáfora dos “três macacos” é boa e representa as coisas que os membros daquela família escolhem não ver, ouvir ou falar – como no antigo provérbio japonês em que os três macacos sábios cobrem os olhos, a boca e os ouvidos com as mãos. São atitudes que os personagens precisam tomar para manter um certo equilíbrio na vida domiciliar quando a imoralidade vem visitá-los. Mas eles não demoram a descobrir que esse equilíbrio não passa de uma perigosa ilusão.
direção: Nuri Bilge Ceylan; roteiro: Nuri Bilge Ceylan, Ebru Ceylan, Ercan Kesal; fotografia: Gökhan Tiryaki; montagem: Nuri Bilge Ceylan, Ayhan Ergürsel, Bora Göksingöl; produção: Bora Göksingöl; com: Yavuz Bingol, Hatice Aslan, Rifat Sungar, Ercan Kesal, Cafer Köse, Gürkan Aydin; estúdio: Zeynofilm, Pyramide Productions; distribuição: Imovision. 109 min