Mas calma: não deduza logo de cara que “Divã” é um grito niilista de mulheres a beira de um ataque de nervos por conta de seus casamentos infelizes, prontas para serem recrutadas por manuais de auto-ajuda, na entrada da idade da loba. Mercedes pode externar esse estereótipo – que é mais comum do que se imagina, temos que admitir – mas o filme trata de equilibrar as generalizações que por vezes saem da boca da personagem.
Essa mulher que cansou de ser submissa, que não quer ser refém do primeiro namorado para o resto da vida, que, enfim, quer saborear a vida sem a culpa católica, existe, sim, mas não é a resposta definitiva para a questão feminista. A personagem funciona porque tem a amiga Monica (Alexandra Richter) do lado. É feliz a escolha de contrabalançar a perspectiva de Mercedes com a dessa mulher satisfeita com o casamento duradouro e ainda apaixonada o bastante pelo marido para acordá-lo com um beijo de língua.
Monica é fundamental, e por isso é decepcionante o destino que o roteiro de Marcelo Saback (também autor do texto da peça) lhe reserva. Aliás, toda a segunda metade do filme deixa a desejar, perdendo o tom reflexivo inicial para recorrer a cenas de riso ou de lágrimas fáceis – o que não deixa de ser irônico, uma vez que isso passa a ocorrer logo após o divórcio de Mercedes, que surge como a solução que ela buscava para sua vida começar a melhorar. Tudo bem ela querer namorar um cara mais novo, mas a relação com o personagem de Cauã Reymond é inverossimil, ao contrário daquela que surge com Reynaldo Gianecchini. Parece ser apenas um pretexto para chegar a cena da boate – que é engraçada, mas inorgânica dentro da proposta inicial.
Outro problema que impede “Divã” de crescer é a forma de crônica que a narrativa assume, algo claramente perceptível nos diálogos permeados por frases de efeito e em cenas construídas como células cômicas. Em vários momentos do filme, fica a impressão de uma adaptação literal de um capítulo de livro. Em outros, parece uma tira de jornal filmada (“Gatão de Meia Idade” vem em mente). Para complicar ainda mais, as escolhas do diretor musical Guto Graça Melo para compor a trilha sonora variam do tema de novela a MPB clichê.
Funcionando acima do esperado para um filme do mesmo diretor de “Os Normais”, “Zoando na TV” e filmes dos Trapalhões do fim dos anos 80, “Divã” se revela uma comédia romântico-dramática que tem cara de cinema, e não de um especial de TV. Apesar de ter mais experiência na telinha com sitcoms – como a bem-sucedida “A Diarista” e outras que resultaram em fracasso, como “Os Aspones” e “Minha Nada Mole Vida” – José Alvarenga Jr. ao menos entendeu que um filme não precisa de números de dança gratuitos, mas, sim, de atmosfera, tanto narrativa quanto visual. Temos aqui cenas bem construídas e até bem fotografadas. Há uma em especial, em que Lilia Cabral aparece nua, que de tão inesperada fica bonita à beça.
Lilia, aliás, é quem leva “Divã” com segurança até o fim – não por carregar o filme nas costas, mas por segurá-lo pela mão, demonstrando um verdadeiro carinho de mãe por sua personagem.
direção: José Alvarenga Jr.; roteiro: Marcelo Saback (baseado no livro de Martha Medeiros); fotografia: Nonato Estrela; montagem: Diana Vasconcelos; música: Guto Graça Melo; produção: Iafa Britz, Marcos Didonet, Vilma Lustosa, Walkiria Barbosa; com: Lilia Cabral, José Mayer, Alexandra Richter, Reynaldo Gianecchini, Cauã Reymond, Eduardo Lago, Paulo Gustavo, Julianne Trevisol; estúdio: Total Entertainment; distribuição: Downtown Filmes. 93 min
Editor-chefe e criador do Cinematório. Jornalista profissional, mestre em Cinema pela Escola de Belas Artes da UFMG e crítico filiado à Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema) e à Fipresci (Federação Internacional de Críticos de Cinema). Também integra a equipe de Jornalismo da Rádio Inconfidência, onde apresenta semanalmente o programa Cinefonia. Votante internacional do Globo de Ouro.