O suspense toma conta do recinto. Ela se anuncia como “Shiva – O Deus da Destruição”, primeiro para usar uma dose de sarcasmo já que o casamento tem temática indiana e Shiva é uma das principais figuras do hinduísmo. E segundo porque Kym tem consciência de que poucos ali estão confortáveis com sua presença. Para o público aquele momento é também de bastante tensão, já que a moça, recém-saída de uma clínica de reabilitação, transmite tudo, menos a segurança de que não irá estragar a cerimônia em uma explosão de sentimentos reprimidos.
De fato a situação de Kym é delicada e a cena que a define melhor é aquela em que a jovem dirige por uma estrada e se depara com uma bifurcação. Para que lado seguir? Ela não sabe. Perdida entre emoções contraditórias – feliz por um lado pelo casamento da irmã (Rosemarie DeWitt), mas frustrada por outro devido a assuntos mal resolvidos que se acumularam ao longo dos anos – Kym tem no reencontro com a família a revelação de um novo passo, importante e difícil de ser dado, em seu processo de reestruturação pessoal.
A difícil posição em que ela se encontra, como uma coadjuvante num momento frágil em que necessita de atenção e apoio de seus entes queridos – repare que nem mesmo o título do filme se refere a ela – é traduzida com perfeição pela escolha de Jonathan Demme em como filmar essa história. Perfeição na verdade talvez seja um termo contraditório, já que aqui a câmera de Demme é imperfeita por natureza, movendo-se muito durante o filme, com zooms aleatórios e ângulos deformados, praticamente como se estivesse sendo operada por um dos convidados da festa de casamento. A instabilidade das imagens representa Kym.
“O Casamento de Rachel” representa um triunfo na carreira do cineasta, que no auge de seus 65 anos busca experimentar um cinema com o qual não está acostumado. Afinal, ele é mais lembrado pelo suspense “O Silêncio dos Inocentes” e o drama “Filadélfia”. E mesmo seus filmes menores e menos apreciados, como “O Segredo de Charlie”, seguem um modo de filmar mais clássico.
Claro, o longa é um triunfo também para Anne Hathaway, indicada ao Oscar por este trabalho que define o melhor momento de sua trajetória até aqui. E não podemos deixar de citar também que este é o início de outra carreira que futuramente há de ser celebrada: a roteirista Jenny Lumet, filha do mestre Sidney Lumet. Sinal da boa influência de seu pai-mentor está na cena do casamento propriamente dito, onde a bela canção de Neil Young “Unknown Legend” tem um uso singelo e romântico, no melhor sentido que se pode aplicar a esses termos. Um contrapeso ideal para a carga dramática levada até ali.
direção: Jonathan Demme; roteiro: Jenny Lumet; fotografia: Declan Quinn; montagem: Tim Squyres; música: Donald Harrison Jr., Zafer Tawil; produção: Neda Armian, Jonathan Demme, Marc E. Platt; com: Anne Hathaway, Rosemarie DeWitt, Mather Zickel, Tunde Adebimpe, Debra Winger; estúdio: Clinica Estetico, Marc Platt Productions; distribuição: Sony Pictures. 113 min