Este filme de Alex Proyas, cineasta tragicamente pouco valorizado pela indústria, é um caso curioso: tem a atmosfera e o clima de um suspense de ficção científica dos anos 80, mas é apresentado com um visual que só a computação gráfica contemporânea poderia proporcionar.
Fazendo companhia a títulos como “O Dia Depois de Amanhã”, “Fim dos Tempos” e o remake de “O Dia em que a Terra Parou” (e por que não “Uma Verdade Incoveniente”?), “Presságio” se insere no subgênero dos eco thrillers (ou ecoploitation, como gosto de chamar, ou ainda ecoporn, se desejarem usar uma derivação mais na moda). É por excelência um filme-catástrofe, que utiliza o alarme ambiental como mote para a trama.
Além do fato de ser alguém que finalmente teve coragem para fazer um filme apocalíptico sem concessões quanto aos desastres que anuncia, Proyas ousa aqui a fazer uma combinação que, no ano passado, já havia causado desconforto em quem esperava ver Indiana Jones se aventurar atrás de mais uma relíquia religiosa. “Presságio” pode gerar o mesmo tipo de reação que Spielberg conseguiu surtir, graças à mistura de muitas influências em uma narrativa que, a princípio, parece perdida entre religiosidade, ciência e o sobrenatural.
Ora, para um filme que começa com o professor vivido por Nicolas Cage dando uma aula sobre determinismo na astrofísica, “Presságio” oferece uma visão deveras corajosa para a dúvida que cerca a mente daquele personagem (e de muita gente na plateia também) a respeito de questões como destino, acaso ou o propósito da existência, como ele mesmo cita. Claro, seria muita ingenuidade acatarmos como “a resposta” aquilo que o longa nos mostra, principalmente após jogar na tela tantas referências científicas e bíblicas. Mas assimilar a resolução da história como uma versão possível do que prejulga a crença religiosa, ou mesmo o agnosticismo, é o mínimo que o filme nos pede.
Méritos para o roteirista Ryne Douglas Pearson (que antes escreveu “Código Para o Inferno”, outro suspense que trata de um código misterioso). Também autor do argumento, ele concebeu uma trama intrigante e provocativa, que ainda ironiza o próprio gênero ao fazer o personagem de Cage se perguntar desesperado: “Como eu vou impedir a destruição do mundo?” A versão final do script também recebeu a colaboração de Juliet Snowden e Stiles White, que trabalharam em “O Pesadelo”, péssimo terror produzido por Sam Raimi há alguns anos. Vai ver, pertencem à dupla os elementos piegas, como o sinal de mãos entre o personagem de Cage e seu filho — algo também típico de produções “Sessão da Tarde” dos anos 80, mas que, neste caso, não enobrecem o que é apresentado aqui.
Já quando o assunto é a concepção visual, é a Proyas a quem devemos os louros. Os tais “seres sussurrantes”, a cena da visão de horror do menino, a violência que surge na ausência do corte (a cena do avião, toda em plano-sequência, é particularmente impressionante) são aspectos que o cineasta parece tomar emprestado do cinema de suspense que John Carpenter pratica em filmes como “A Cidade dos Amaldiçoados” ou “À Beira da Loucura”, mas sem o gore (é algo mais old-school, como o recente “1408”, remetendo ainda a Stephen King). E seu trabalho conjunto com o designer de produção Steven Jones-Evans, o diretor de arte Sam Lennox e o diretor de fotografia Simon Duggan garante uma forte unidade visual ao filme, equilibrando as cores sempre em tons azul escuro e laranja ocre (que condizem perfeitamente com as dicas dadas desde os créditos iniciais a respeito do desenrolar da trama). Apreço estético já esperado do responsável por filmes tão belos como “Cidade das Sombras” e “O Corvo”.
Com um ritmo muito bom, que envolve principalmente quando chega ao terço final, e atuações corretas de Cage e Rose Byrne, “Presságio” não se acanha em sua influência nerd sci-fi oitentista e ainda faz um uso memorável da Sétima Sinfonia de Beethoven (que ainda é sutilmente ecoada na trilha sonora de Marco Beltrami). Um filme apocalíptico e apoteótico.
direção: Alex Proyas; roteiro: Ryne Douglas Pearson, Juliet Snowden, Stiles White; fotografia: Simon Duggan; montagem: Richard Learoyd; música: Marco Beltrami; produção: Alex Proyas, Todd Black, Jason Blumenthal, Steve Tisch; com: Nicolas Cage, Chandler Canterbury, Rose Byrne, Lara Robinson, D.G. Maloney, Nadia Townsend, Ben Mendelsohn, Alethea McGrath; estúdio: Escape Artists, Summit Entertainment; distribuição: Paris Filmes. 121 min
Editor-chefe e criador do Cinematório. Jornalista profissional, mestre em Cinema pela Escola de Belas Artes da UFMG e crítico filiado à Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema) e à Fipresci (Federação Internacional de Críticos de Cinema). Também integra a equipe de Jornalismo da Rádio Inconfidência, onde apresenta semanalmente o programa Cinefonia. Votante internacional do Globo de Ouro.