“Velozes e Furiosos 4” parte da premissa básica das tramas policiais: Dom Toretto (Diesel) está de volta à ativa nos EUA praticando roubos em alta velocidade nas rodovias interestaduais. Mas depois que sua namorada Letty (Michelle Rodiguez, em uma breve e sutil interpretação) é assassinada, seu objetivo passa a ser vingança. Acontece que os responsáveis pelo homicídio também estão sendo procurados pelo agente Brian O’Conner (Walker), que se vê novamente na posição de colaborar com Dom para capturar os bandidos.
A confluência narrativa crua e objetiva exercitada por Lin e o roteirista Chris Morgan faz com que a dinâmica da relação entre Dom e O’Conner seja justa e baseada no princípio da amizade entre homens: a lealdade, acima de tudo, mesmo que para isso a lei tenha que ser burlada. Ao subverter essa noção de justiça, o filme questiona os valores daqueles que estão acima da lei: isto é, policiais e criminosos. É antagônica e antológica a fala do chefe de O’Conner: “A diferença entre um policial e um criminoso é só uma questão de tomar a decisão errada.”
O comentário social de “Velozes e Furiosos 4” também está na forma como Justin Lin utiliza sua câmera para retratar aquele submundo das corridas clandestinas. O rigor formal com que ele filma permite que o espectador absorva aquela ambiência diegética, onde a promiscuidade é a regra. Ao mesmo tempo, Lin ri do próprio gênero e de seus clichês, e cria um meta-filme: as tomadas que centralizam a figura quase antropomórfica do traseiro de uma mulher, ou aquelas que mostram garotas beijando e se esfregando em outras garotas (máxima do fetiche masculinizado que saltou do cinema pornográfico e se transformou em modinha nos clubes mais modestos das grandes cidades), são exemplos perfeitos da proposta do cineasta.
É esse sincretismo bizarro – onde a ética e a amoralidade convivem a uma distância mínima, como se participassem de um dos excitantes rachas de carros filmados por Lin num ritmo sincopado, de silêncios sintomáticos entre cada corte – que faz de “Velozes e Furiosos 4” um clássico instantâneo. Correndo a toda velocidade no fio da navalha de um cinema hermético, que satiriza a era das explosões e dos stunts digitais ao prestar uma homenagem sem precedentes ao cinema do grão, o longa coloca esse jovem diretor rumo a um seleto grupo de artistas iconoclastas, que compreende nomes fortes como Terrence Malick, Michael Haneke, Philippe Garrel, Masahiro Kobayashi, Hong Sang-Soo. E por que não citar mestres como Bresson e Godard? O simulacro cinético que ele cria aqui é para poucos. E constatar que um filme como este será projetado em tantas salas de cinema e será visto por tantas pessoas só pode ser considerado um nobre triunfo da arte.
Editor-chefe e criador do Cinematório. Jornalista profissional, mestre em Cinema pela Escola de Belas Artes da UFMG e crítico filiado à Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema) e à Fipresci (Federação Internacional de Críticos de Cinema). Também integra a equipe de Jornalismo da Rádio Inconfidência, onde apresenta semanalmente o programa Cinefonia. Votante internacional do Globo de Ouro.