Primeiro, temos a questão da cópia inacabada, sem efeitos especiais, que vazou na internet quase um mês antes do lançamento. Para tentar remediar, os produtores afirmaram que aquela versão não era a mesma que seria exibida nos cinemas. E ainda adotaram a estratégia de criar diversos finais extras, aqueles que aparecem depois dos créditos, para estimular os fãs a comprar mais ingressos para ver cenas diferentes.
Ao bem da verdade, os efeitos especiais de “Wolverine” são bem feitos e devem fazer muita falta. Afinal, existem cenas que são só efeitos especiais. Além disso, ver os atores dando saltos com cabos presos às costas deve afastar qualquer verossimilhança do que acontece na tela. Portanto, se é para acreditar no filme, assistir à versão final, com tudo no lugar, é indispensável.
Já em relação à história contada, a coisa muda de figura. Por mais que se tenha tentado mudar alguma coisa em cima da hora por causa da cópia pirata, nem um, nem dois, nem dez finais extras seriam capazes de fazer o filme melhorar. O que nos leva ao segundo fator que prejudica “Wolverine”: o filme nada mais faz do que apenas ventilar a série “X-Men”, sem acrescentar nada novo ou revelador sobre o personagem. Apenas torna mais explícito aquilo que os filmes anteriores já indicavam por meio de flashbacks: como Logan chegou até o projeto Arma X e se transformou no mutante feroz de garras de adamantium. Decepcionante também é que Wolverine, apesar de ser interpretado com a competência de sempre por Hugh Jackman, está mais “manso” do que nos filmes anteriores. O que não deixa de ser frustrante, já que agora ele tem um filme todo para ele.
Além da origem de Wolverine, existem outras curiosidades, como a participação de personagens dos quadrinhos que ainda não tinham aparecido no cinema, nem mesmo naquela orgia que foi o terceiro “X-Men”. Gambit (Taylor Kitsch), por sinal, cumpre esse papel com excelência, apesar de seu senso de humor não ser tão bem explorado. Por outro lado, pelo menos um personagem forte, candidato potencial a um filme-solo, é deturpado de suas características na HQ, para a irritação dos fãs mais ortodoxos. O que no fim é contraditório: se este é um filme para fãs, por que não agradá-los e fazer tudo direito?
Nesse ponto, o diretor Gavin Hood difere e se assemelha a Zack Snyder, que este ano lançou “Watchmen”. Difere porque não demonstra ter muito cuidado estético na composição das cenas – preocupação que Bryan Singer teve e fez de “X-Men 2” o mais distinto dos filmes da franquia. O que é espantoso é que Hood fez um exímio trabalho visual em “Infância Roubada”, seu longa de estréia, mas aqui parece acuado, com medo do material. E ele ainda se rende ao uso indiscriminado de câmera lenta nas cenas de ação, se assemelhando aí a Snyder em “300” e “Watchmen”. Pelo visto, esse é o efeito de câmera que vai caracterizar os anos 00, tal como, por exemplo, o zoom marcou os anos 70.
O roteiro de David Benioff (“Tróia”) e Skip Woods (“Hitman”) ainda faz um prelúdio para o próximo filme do selo “X-Men Origens”, que possivelmente vai mostrar a primeira turma de jovens mutantes do Professor Xavier. Mas será que é realmente necessário contar essa história? Se “Wolverine” for a resposta, é melhor os produtores refazerem seus planos.
direção: Gavin Hood; roteiro: David Benioff, Skip Woods; fotografia: Donald McAlpine; montagem: Nicolas De Toth, Megan Gill; música: Harry Gregson-Williams; produção: Hugh Jackman, John Palermo, Lauren Shuler Donner, Ralph Winter; com: Hugh Jackman, Liev Schreiber, Danny Huston, Will i Am, Lynn Collins, Kevin Durand, Dominic Monaghan, Taylor Kitsch, Daniel Henney, Ryan Reynolds, Scott Adkins, Tim Pocock; estúdio: 20th Century Fox, Marvel Entertainment, Donners’ Company, Seed Productions, Dune Entertainment; distribuição: 20th Century Fox. 107 min
Editor-chefe e criador do Cinematório. Jornalista profissional, mestre em Cinema pela Escola de Belas Artes da UFMG e crítico filiado à Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema) e à Fipresci (Federação Internacional de Críticos de Cinema). Também integra a equipe de Jornalismo da Rádio Inconfidência, onde apresenta semanalmente o programa Cinefonia. Votante internacional do Globo de Ouro.