A iniciativa dá continuidade a uma reportagem publicada na edição de junho da Capitu, na qual Letícia Silva faz um relevante e revelador paralelo entre o cotidiano de uma escola pública de São Paulo e os fatos narrados por Cantet na tela e, principalmente, por François Begaudau no livro que inspira o filme.
Termino minha crítica citando que “Entre os Muros da Escola” encontra ecos deste lado do Atlântico. Fui aluno de escola pública do pré-escolar à oitava série no Instituto de Educação de Minas Gerais, numa época em que a situação não era excepcional para o ensino, mas, ainda assim, o ambiente escolar era saudável e de qualidade.
Minha mãe se aposentou como orientadora educacional no IEMG e, anos após eu ter deixado a escola, ela me contava como o quadro havia mudado: alunos encontrados com armas dentro de sala, displicência em níveis cada vez maiores e uma queda considerável de qualidade na própria docência – reflexo inevitável da desvalorização da profissão de professor.
Minha tia, irmã de minha mãe, também deu aulas no ensino público em Belo Horizonte e não era raro eu a ouvir comentar sobre os absurdos advindos da implantação do “Escola Plural” – programa instituído em 1995, durante a administração do então prefeito e atual ministro do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, Patrus Ananias, que, resumidamente, substituiu notas por “conceitos” e acabou com a reprovação, a chamada “bomba”, sob o preceito de uma “renovação pedagógica”. (Tendo em vista as duras críticas que o sistema recebeu ao longo dos anos, o atual prefeito de BH, Márcio Lacerda, anunciou mudanças nesse sistema, ainda a serem implementadas, como a volta das notas nos boletins e da conhecida “recuperação”.)
Não é difícil imaginar nas escolas daqui quadro semelhante ao encontrado por Letícia Silva em São Paulo. Chama a atenção, em seu texto, a semelhança gritante entre as situações observadas por ela na sala de aula e aquelas reencenadas por Cantet, Begaudau e os atores-alunos no filme. Também existem congruências entre os professores da escola paulista e da francesa, como constatamos no seguinte trecho da reportagem:
“Lá, um professor francês, colega de Begaudau chega à escola com os cabelos em pé. Nervoso e agitado, anda rápido para dentro da sala dos professores. Ele promete a si e a todos que chega! Não ficaria mais ali. Levanta-se, transtornado, a prometer algo que, aqui, é tão comum. São muitos os professores que encontrei que querem (e muito) parar de dar aulas. Em Paris, os professores chegam à sala docente desolados, nervosos. Um com o cabelo em pé, outro, olheiras no queixo, outro, o nó na garganta. Outro, quieto, cansou de reclamar. Em São Paulo,o mesmo: professor não tem vez, disseram-me.O tédio e a falta de vontade, nas duas realidades, tornam-se sinônimos da falta de sentido quando nem professor, nem aluno, trazem consigo experiências que traduzam a escola como lugar de benefícios, crescimento, e não de dor, privações, regresso.”
Notável também a força de “Entre os Muros da Escola”, que lidera as buscas aqui no site. A crítica que escrevi mesmo: já foi linkada e citada em diversos outros sites, e é a mais lida desde a criação do blog. Até hoje, mais de três meses desde o lançamento do filme no Brasil, o texto ainda aparece no topo das estatísticas de acesso, acima de qualquer blockbuster ou vencedor de Oscar que já comentamos – o que é gratificante por ser uma amostra do interesse e do gosto do público que temos aqui.
“Entre os Muros da Escola” é distribuído pela Imovision no Brasil, ainda está em cartaz em alguns cinemas e será lançado em DVD, nas locadoras, no próximo dia 8 de julho.
Editor-chefe e criador do Cinematório. Jornalista profissional, mestre em Cinema pela Escola de Belas Artes da UFMG e crítico filiado à Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema) e à Fipresci (Federação Internacional de Críticos de Cinema). Também integra a equipe de Jornalismo da Rádio Inconfidência, onde apresenta semanalmente o programa Cinefonia. Votante internacional do Globo de Ouro.