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A violência contra "Halloween"

Qual violência é maior: as cenas gráficas e polêmicas de um filme de horror ou o distribuidor modificar ao seu gosto e sem pudor o trabalho de um artista?

O lançamento de “Halloween – O Início” no Brasil, ocorrido no último dia 24, já entrou para os anais da distribuição de filmes no país devido à decisão da PlayArte Pictures de eliminar as cenas mais pesadas de violência. O objetivo foi conseguir uma classificação indicativa menor do que os 18 anos originalmente obtidos. O problema é que foram excluídos nada menos que 26 minutos de cenas, o que deturpou não só a montagem original como também o pleno entendimento da narrativa.

Não constam precedentes de um caso como este em nossos cinemas. Pelo menos, não depois da ditadura. Mas vá lá: durante a vigência do AI-5, quem censurava e proibia era o governo, por imposição; já no caso de “Halloween”, existiu a opção de lançar a versão 18 anos e a decisão de fazer cortes partiu da própria PlayArte, o que torna o caso ainda mais estranho – e assustador para qualquer fã de filmes de horror. Já pensou se a moda pega?

O cinematório entrou em contato com a PlayArte para esclarecer o assunto. Telefonamos durante toda a tarde para a assessora de imprensa, mas ela não se encontrava no escritório (leia retificação), segundo nos informou a recepção da empresa. Da mesma forma como aconteceu com G1 e CineClick, não obtivemos retorno até o momento.

Ligamos também para o diretor comercial da PlayArte, Wilson Zaveri, mas, para nossa surpresa, ele nos disse, por e-mail, que não está a par do caso.

“Não tenho conhecimento de cortes no filme ‘Halloween’, o que sei é que existe uma versão ‘sem censura’ (unrated) lançada em DVD nos EUA que está a venda na amazon.com, que talvez tenha algumas cenas a mais do que a versão de cinema, mas ainda não sei exatamente do que se trata”.

Zaveri disse que encaminhou nosso questionamento sobre os cortes na versão brasileira para a assessoria de imprensa da PlayArte. Enquanto continuamos no aguardo da posição da empresa, prosseguimos no assunto. Afinal, a pergunta não cala: qual o direito que um distribuidor possui para modificar a versão do filme que comprou? Ele pode fazer os cortes que bem entender, sem precisar da autorização do detentor dos direitos autorais ou mesmo do diretor do filme?

Conversando com um profissional da área, que trabalhou em duas distribuidoras independentes brasileiras, ele (que preferiu não se identificar) nos explicou que vale a suposição de que a partir do momento que um filme é vendido, “já era”.

“É uma decisão meramente comercial. Eles compram o direito de exibir o filme e têm o direito de exibir da maneira que for mais conveniente. É uma parceria: se 18 anos não valer a pena para o distribuidor brasileiro, não vai valer a pena para o gringo também, já que o gringo também ganha royalties. E hoje é mais banalizado, porque a PlayArte ainda pode vir com a desculpa de que vai lançar o filme sem cortes em DVD especial.”

Apesar da declaração alarmante, a coisa não funciona assim para todos os distribuidores e todas as produções. A California Filmes, que também vai lançar um filme de horror no Brasil – o polêmico “Anticristo”, de Lars von Trier, que possui cenas certamente mais violentas e controversas do que as de “Halloween” – explica que tudo é uma questão contratual. Eis o que a assessora de imprensa da California, Paula C. Ferraz, nos disse:

“Segundo nosso departamento jurídico, a distribuidora precisa de autorização do produtor para fazer cortes. Cada caso é um caso, e tem filme que pode ter corte e tem filme que não pode, isso depende de cada contrato, com cada produtor e cada filme. A California nunca usou esse recurso, porque realmente acredita nos filmes que compra.”

No caso de “Anticristo”, que tem lançamento previsto para 28 de agosto no Brasil, os fãs do gênero não precisam se preocupar, como nos conta Paula:

“Os produtores disponibilizaram uma versão mais light do filme, mesmo para a California, que havia adquirido os direitos do filme quando ele ainda estava em pré-produção. Mas vamos lançar a versão original do diretor, sem cortes. Dar opções de cortes diferentes é comum entre os produtores, que tentam atender os diferentes mercados de cada país.

Quanto ao que houve com a PlayArte e o filme ‘Halloween’, a California prefere não opinar, porque não conhecemos o caso e não temos informações sobre o acordo entre a distribuidora e os produtores do filme.”

Em época de férias e com salas saturadas de blockbusters, é possível entender a posição da PlayArte, que visou aumentar a quantidade de espectadores de “Halloween” com a classificação indicativa 14 anos. Do ponto de vista mercadológico, faz sentido (e surtiu efeito, já que o filme conseguiu emplacar entre os cinco mais vistos no fim de semana, com pouco mais de R$ 480 mil de renda e 48 mil ingressos vendidos, segundo o Filme B). Mas é preciso também e principalmente analisar o lado do público específico desse tipo de filme, que é o cinéfilo que enfrentou dois anos de espera entre as várias mudanças na data de estreia para ver o filme de Rob Zombie no cinema. Para quem recusou o download ou mesmo a importação do DVD, agora não resta alternativa. Para esse público, a decisão da PlayArte é um crime.

Aliás, “Halloween” seria o primeiro filme de Zombie a ser exibido em tela grande no Brasil, já que “A Casa dos 1.000 Corpos” e “Rejeitados Pelo Diabo” saíram direto em DVD no país (e ambos também em versões mutiladas, não nas cenas violentas, mas na razão de aspecto, com a Imagem Filmes trocando o wide pelo fullscreen).

PROTESTOS

O cinematório se sente na obrigação de apoiar a onda de protestos contra os cortes feitos em “Halloween”. Já entramos em contato com Rob Zombie para obter uma palavra dele a respeito da polêmica. Enquanto aguardamos um retorno do cineasta, você mesmo pode deixar uma mensagem em vários canais que ele disponibiliza na internet: Twitter, MySpace e o site oficial. Já existe também um tópico no fórum do IMDb.

A seguir, trechos de colegas blogueiros que já se manifestaram contra a decisão da PlayArte. Se você também escreveu algum post ou matéria em protesto aos cortes em “Halloween”, deixe o link nos comentários, que incluiremos abaixo.

MARCELO MILICI, do Mestre Infernauta: “Na cena a seguir, tudo que acontece entre 00:50 e 7:56 FOI CORTADO PELA PLAYARTE. Sim, na versão da Playarte, Michael pega uma faca na cozinha, e corta direto para sua mãe voltando para casa!!!”

MARCELO MIRANDA, da Filmes Polvo: “A ‘censura legal’ se confirmou no Diário Oficial da União, que, nas suas letras miúdas, explicita o procedimento da Playarte de uma forma, a meu ver, assustadora. Dá para ler clicando aqui.”

VITOR MENDES, do Cinema em Foco: “Os cortes conseguem ser tão ruins que fazem uma gravação impecável parecer um típico filme B ao interromper as músicas de suspense do nada, mostrar situações que aparentemente teriam um desfecho e então passar para uma outra cena sem ao menos se preocupar em dar explicações quanto ao que ocorreu na passagem anterior.”

RAFAEL S., do Primeiro Plano: “O filme do Zombie tem 109 minutos de duração. A distribuidora PlayArte, responsável pela distribuição do filme em território brasileiro simplesmente cortou o filme todo. Cortou não, MUTILOU. ESQUARTEJOU. Uma película de 109 minutos foi reduzida para incríveis 83 minutos! Cortes grotescos, sem nenhum cuidado, no meio de diálogos. Nudez praticamente limada do filme. Violência reduzida em 80%.”

JASON ALMEIDA, do CineProsa: “Ao ouvir a famosa trilha da série fiquei emocionado, John Carpenter estava inspirado quando a fez. Infelizmente a emoção foi se esvaindo com as séries de mutilações ocorridas, que não eram provocadas por Michael Myers, mas sim de uma edição tosca. Quando de repente o filme simplesmente acaba. Saio do cinema um pouco desorientado sem saber o que tava acontecendo, consultei o relógio do celular, 20h30. Não acreditei muito e ao primeiro transeunte de relógio que passou perguntei às horas, 20h30. Como é possível um filme de 107 minutos simplesmente acabar depois de 1h20 de projeção?”

KLEBER MENDONÇA FILHO, do Cinemascópio: “Resta ao público evitar o filme, que entra na sua segunda semana em cartaz. E resta à PlayArte, distribuidora tradicional no Brasil, rever suas estratégias de lucro. Num mercado que reclama tanto da pirataria, ver um filme dessa forma, desrespeitado pelo próprio distribuidor, lembra as histórias de cidades do interior de antigamente, onde filmes passavam pela tesoura do padre local. Aqui, no entanto, não trata-se de crença religiosa, mas a crença burra no dinheiro. Burra porque a manobra pode ter dado lucro, o lucro de um golpe, mas as perdas em imagem da distribuidora no mercado não são poucas.”

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