Ele é o mesmo cineasta que, quase duas décadas atrás, realizou a comédia “Joe Contra o Vulcão”, aquela mesma com Tom Hanks e Meg Ryan, e um pouco antes ganhou o Oscar pelo roteiro de “Feitiço da Lua”. Se exilou atrás da máquina de escrever nos anos 90 e não conseguiu produzir nada que valha a pena lembrar, como “Os Dinossauros Voltaram” (1993) e “Congo” (1995). Salva-se apenas “Vivos” (1993).
É de se admirar, portanto, este retorno ao comando da câmera, que resulta em um certo rigor na composição dos quadros. Muito, claro, vem da parceria com o diretor de fotografia Roger Deakins, que auxilia a execução de ideias como a cena em que o padre vivido por Philip Seymour Hoffman é confrontado pelas irmãs interpretadas por Meryl Streep e Amy Adams, e o “peso” do quadro vai todo sobre o sacertote.
Por outro lado, Shanley comete alguns excessos na tentativa de ressaltar momentos dramáticos da narrativa, como a cena em que o brinquedo do menino é pisoteado ou a ocorrência de uma tempestade, clichê digno de um filme de horror.
Apesar de “Dúvida” ter um visual bem cuidado, é perfeitamente compreensível que o elenco chame mais a atenção, já que os três atores principais são sinônimo inquestionável de qualidade. Meryl Streep está fantástica, como de hábito, mas seus colegas de cena não correspondem à expectativa.
Philip Seymour Hoffman, apesar de excepcional ator, parece mal escalado, pois simplesmente não convence como padre. Ele não insere peculiaridades na composição do personagem e parece repetir trejeitos de papéis anteriores, sempre gritando e rindo alto.
Mal semelhante acomete Amy Adams: já comprovou ser uma ótima atriz, mas começa a correr o risco de se desgastar se continuar intepretando sempre a ingênua da história.
A melhor sacada de “Dúvida” é manter até o fim, justamente, a dúvida sobre as atitudes do padre, ainda que no subtexto deixe mais ou menos claro o que está acontecendo. Shanley e seu elenco fazem cinema de qualidade, em mais um injustiçado do Oscar que merecia estar entre os cinco indicados a Melhor Filme, muito mais do que os que acabaram selecionados.
direção: John Patrick Shanley; roteiro: John Patrick Shanley; fotografia: Roger Deakins; montagem: Dylan Tichenor; música: Howard Shore; produção: Mark Roybal, Scott Rudin; com: Meryl Streep, Philip Seymour Hoffman, Amy Adams, Viola Davis, Joseph Foster, Lloyd Clay Brown, Alice Drummond, Audrie J. Neenan, Mike Roukis, Paulie Litt; estúdio: Goodspeed Productions, Scott Rudin Productions; distribuição: Buena Vista. 104 min
Editor-chefe e criador do Cinematório. Jornalista profissional, mestre em Cinema pela Escola de Belas Artes da UFMG e crítico filiado à Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema) e à Fipresci (Federação Internacional de Críticos de Cinema). Também integra a equipe de Jornalismo da Rádio Inconfidência, onde apresenta semanalmente o programa Cinefonia. Votante internacional do Globo de Ouro.