A influência do cinema de Martin Scorsese é evidente, tanto que em certos momentos Vincent Cassel parece encarnar o Robert De Niro de “Os Bons Companheiros”. Além disso, o diretor Jean-François Richet (cujo trabalho anterior é a competente refilmagem de “Assalto à 13ª D.P.”) tenta fazer planos muito parecidos com o estilo de Scorsese – vindo com a câmera de longe até o rosto de um ator e depois virando para seu ponto de vista, sem falar no uso de travelling e tracking shots – mas sem alcançar a mesma qualidade do mestre americano. É uma pena que o estilo de Richet adote tom reverencial, já que a sequência inicial, com a tela dividida em múltiplos reflexos pelo montador de Jean-Pierre Jeunet, Hervé Schneid, anuncia algo mais inspirado do que realmente é.
O filme melhora depois que Jacques Mesrine, o protagonista, é levado para uma prisão de segurança máxima e traça seu plano de fuga. Antes disso, Richet adota um tom episódico que resulta numa narrativa inconstante. Ele e o co-roteirista Abdel Raouf Dafri (que adaptaram a autobiografia de Mesrine) omitem certas passagens do tempo com o aparente propósito de acreditar que o espectador entenderá o que se passa. É claro que ele vai entender, mas de uma forma forçada, tendo que imaginar o que aconteceu com a primeira esposa de Mesrine, por exemplo, já que o filme não fornece nenhuma informação. Faltou inteligência nas elipses.
Além disso, durante a maior parte de sua duração, “Instinto de Morte” se concentra apenas em mostrar que Mesrine é um canalha que bate em mulher, despreza os pais e não tem força de vontade para enxergar outras perspectivas para sua vida ao menor sinal de dificuldade.
Fica difícil gostar de um personagem assim, que é simplesmente mau. Scarface, Hannibal Lecter, Don Corleone são todos caras maus, mas eles, primeiro, são sujeitos inteligentes e ardilosos; e segundo, possuem um carisma que faz você gostar deles. Por sua vez, Jacques Mesrine é retratado apenas como um bandido perigoso e nada mais. É justamente o contrário do que acontece com o também personagem da vida real John Dillinger, no filme de título parecido, “Inimigos Públicos”. Neste, o criminoso é aquele com quem a platéia se identifica.
Somente depois que Mesrine é preso e torturado é que você passa para o lado dele e torce para que fuja da prisão e consiga soltar os outros presos (e olha que o plano de fuga nem é tão brilhante assim, e só serve para mostrar o quanto aquela prisão era falha). Nessa parte do filme, Richet concentra a ação em um só episódio, e talvez por isso o filme cresça, pois finalmente encontra tempo para se desenvolver. E há de se dar o mérito a Richet pela filmagem do tiroteio, que chega a lembrar, não tão de perto, um Michael Mann – e isso já é um puta elogio.
Fica a expectativa de que a segunda parte de “Inimigo Público Nº 1” realmente faça jus ao projeto, porque Jacques Mesrine tem que ter feito algo realmente extraordinário em sua vida para que ela mereça dois filmes.
direção: Jean-François Richet; roteiro: Jean-François Richet, Abdel Raouf Dafri (baseado no livro de Jacques Mesrine); fotografia: Robert Gantz; montagem: Hervé Schneid; música: Marcus Trumpp; produção: Thomas Langmann; com: Vincent Cassel, Cécile De France, Gérard Depardieu, Gilles Lellouche, Roy Dupuis, Elena Anaya, Ludivine Sagnier, Michel Duchaussoy, Myriam Boyer