O “little man” de Frank Capra, encarnado pela segunda vez na figura de James Stewart, assume o cargo de senador em Washington apenas para fazer número e contar voto na bancada de seu partido. É ao “sair do túnel” que sua vertigem de admiração por seus presidentes e sua plena crença na bondade inerente ao ser humano sofrem um baque diante da corrupção que move o sistema político.
Seguindo no sentido contrário do Willie Stark de “A Grande Ilusão” (outro clássico que aborda os mesmos temas), Jefferson Smith inicia a batalha do verdadeiro representante do povo contra a máquina de interesses, resultando num dos momentos de redenção fundamentais do cinema deste autor americano.
E Capra se delicia na direção, com um senso bem racional de enquadramento, tendo em Stewart o intérprete perfeito de sua convicção na dignidade do homem.
Setenta anos desde seu lançamento, “A Mulher Faz o Homem” (“Mr. Smith Goes to Washington”, no título original) ainda é relevante. Um filme político, mas, sobretudo, um filme de caráter.
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A resenha acima foi escrita originalmente para a Liga dos Blogues Cinematográficos, em ocasião do ranking dos melhores filmes dos anos 30. Aproveitando a revisão, peguei algumas anotações rabiscadas em meu caderno e selecionei três cenas, apenas no intuito de celebrar essa jóia do cinema americano.
CENA 1 Obcecado pela história de seu país, Smith se desliga de sua comissão e parte em um tour por Washington. A caracterização do personagem é perfeita no exagero que Stewart dá ao grito de admiração de Smith ao ver de longe o Capitólio. Em seguida, sua jornada pela cidade é embuída de um sentimento patriótico sincero, quando Capra também parece demonstrar, nas fusões e sobreposições das imagens (o sino da liberdade badalando o tempo todo), seu amor pelos ideais e valores que grandes políticos ditaram enquanto governaram os EUA. Chama a atenção também a fotografia de Joseph Walker, colaborador frequente de Capra. O modo como capta o monumento de Lincoln e sua imponência é soberbo e traduz a importância que aquele local exerce sobre o personagem.
CENA 2 Capra deixa de enquadrar os rostos dos atores para focalizar apenas a reação de Stewart frente à personagem de Astrid Allwyn. A câmera pega as mãos dele tremendo, deixando o chapéu cair no chão o tempo todo de tanto nervoso. É sem dúvida o grande momento de quebra da mise-em-scène, que na maior parte do filme privilegia os planos americanos, abertos ou close-ups.
CENA 3 A redenção final de Smith vem numa cena das mais emblemáticas, quando o senador desmaia e é coberto pelas cartas falsificadas que pediam que ele cedesse a palavra aos colegas, cementando assim sua expulsão da Casa. É um momento crucial, cujo reflexo é a revogação do processo contra Smith pelo senador Paine (Claude Rains). Sem firulas, tudo filmado de forma muito simples e direta. É perfeitamente provável que, se fosse feito um remake, esse e outros momentos importantes de “A Mulher Faz o Homem” seriam erraticamente enaltecidos por uma trilha sonora melodramática, ao contrário do trabalho quase imperceptível do score de Dimitri Tiomkin, que nunca surge de forma a chamar a atenção ou manipular a reação do espectador.