“O Dogma 09.8 é uma ação de resgate! Para o Dogma 09.8, o cinema é individual! Para o Dogma 09.8, o filme é ilusão!” – esses são os princípios básicos do manifesto, que rejeita o conceito de “realidade documentada” (Emerson chega a dizer que um filme de John Cassavetes ou dos irmãos Maysles são produtos de artifícios estéticos e tecnológicos tal como um filme de Michael Bay) e pede por mais disciplina, critério e (bom ou mal) gosto aos cineastas.
O post original, que faz uma paródia do texto do Dogma 95, está aqui. Traduzo abaixo as dez novas regras por um cinema mais íntegro e autêntico:
1. Arrume um tripé. Saiba como usá-lo. Seres humanos não sacodem suas cabeças por aí o tempo todo. Se isso acontecesse, eles vomitariam muito mais. A câmera na mão, que uma vez foi uma ferramenta legítima, já foi excessivamente usada até a morte. Ela está além do clichê, além de uma “certa tendência” – ela se tornou a coisa mais irritante, invasiva e lugar-comum dos filmes modernos, uma marca da ignorância visual. As pessoas deveriam jogar coisas na tela toda vez que perceberem que uma cena foi feita com câmera na mão.
2. Som gravado em locação não é o produto final. Não pare aí. Crie uma trilha sonora que eleve o mundo do seu filme. A maioria das pessoas pensa que “Chop Shop”, de Ramin Bahrani, foi gravado com som “ao vivo”. Não foi. Praticamente tudo foi criado em estúdio, densamente estendido em camadas e impecavelmente trabalhado para parecer natural e espontâneo.
3. Rode o filme de forma que ele possa ser montado com a menor quantidade possível de tomadas bem planejadas. Todo corte desnecessário é um sinal colossal de fracasso. Cada tomada, e cada corte, precisa ter uma razão de existir dentro do mundo do filme – como palavras numa sentença, ou sentenças num parágrafo. Uma montagem descriteriosa é um desperdício e monótona. Ela drena as imagens de sua energia e frequentemente interrompe o ritmo crucial das interações entre os atores/personagens. Lembre-se das regras de Hitchcock: não use as suas ferramentas mais poderosas (cortes, movimentos de câmera, close-ups) a não ser/até que seja necessário. Em outras palavras: não seja um gastador de tomadas gratuitas.
4. Não mais do que três tomadas consecutivas devem durar menos do que um segundo cada. Nada derruba a segurança e o interesse em um filme mais claramente do que um filme que é muito tímido e leviano para se permitir ser visto. Hiperatividade é contraproducente. Permita que o público encontre o filme pelo menos na metade.
5. Se você pode dizer que alguma coisa foi feita em CGI, não use. Se ninguém perceber, vá em frente. Se o seu monstro ou a sua espaçonave ou a sua locação ou a sua decapitação não podem ser criados na frente da câmera ou com efeitos práticos (como pinturas em matte), não assuma que você consegue fazê-los com CGI. Se o efeito violar a realidade do filme – não importa qual ela seja – não mostre.
6. Não insista em cenas, imagens, temas superutilizados e em ação superficial. Esses normalmente são sinais de que um filme ficou preguiçoso, andando no piloto-aumotático: perseguições de carros, tiroteios, troca de socos, transições usando trechos de músicas pop, tráfico de drogas, mulheres tristes comendo sorvete, explosões, zzzzz zzzzzzzzzzz. Ronco. Não existem outras, mais interessantes histórias para contar, e maneiras mais interessantes de contá-las?
7. Não embaralhe a cronologia apenas para fazer material tedioso parecer menos linear. Isso não ajuda.
8. Conheça as convenções do gênero e das técnicas de filmagem. Você não pode subvertê-las se você não estiver familiarizado com elas. É como jazz: você não pode retrabalhar uma canção se você não conhecer a melodia. Você tem que saber quais notas não pode tocar e quais deve usar.
9. Adeque o formato ao filme. Suas razões para filmar em vídeo, ou 35mm, plano ou scope, devem estar evidentes no próprio filme. Tome vantagem do formato escolhido.
10. Lembre-se de que cada elemento no seu filme reflete uma decisão. Mesmo se é um acidente ou um descuido, está lá (ou não) porque você escolheu colocar ou deixar lá. Ou porque você não percebeu que estava lá, o que é essencialmente a mesma coisa porque alguém vai perceber.
O manifesto tem um tom informal e bem humorado, mas é preciso e pertinente na maioria dos pontos levantados. O que vocês acharam?
Editor-chefe e criador do Cinematório. Jornalista profissional, mestre em Cinema pela Escola de Belas Artes da UFMG e crítico filiado à Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema) e à Fipresci (Federação Internacional de Críticos de Cinema). Também integra a equipe de Jornalismo da Rádio Inconfidência, onde apresenta semanalmente o programa Cinefonia. Votante internacional do Globo de Ouro.