O poder humano de “Up” pode ser percebido logo na introdução da história, que surge em uma magistral sequência de passagem do tempo, narrada de tal forma que é capaz de fazer chorar logo nos 10 primeiros minutos (é o meu recorde pessoal). Pete Docter, que também fez “Monstros S.A.”, demonstra ali ter um poder de síntese impressionante e toca direto no ponto emotivo. Tenho que concordar com quem disse que aquela sequência é mais emocionante do que “O Curioso Caso de Benjamin Button” inteiro. O mesmo vale para as frases de pára-choque do filme de David Fincher que juntas não se comparam ao que o menino Russell diz ao quase octogenário Carl durante um diálogo de “Up”: “Às vezes, é das coisas chatas que eu me lembro mais”. Sem falar na forma sutil como Docter retrata dois momentos de morte, sem causar nenhum estardalhaço, estético ou emocional. Aliás, a forma como a Pixar fala de morte com as crianças é algo que já chamava a atenção desde “Toy Story”.
Curioso também notar que “Up – Altas Aventuras” traça um paralelo inevitável com “Gran Torino”, mais recente filme dirigido e estrelado por Clint Eastwood. Não só os personagens principais são parecidos – garoto sinoamericano que deve ajudar senhor de idade rabugento e resmungão – mas elementos temáticos também contribuem para a comparação – a perda da esposa, que torna o protagonista amargo; a rejeição do asilo; a redenção e a retomada da vida; a representação da figura paterna para o garoto.
São elementos em comum, claro, mas não se trata de plágio, até porque se alguém copiou alguém, foi “Gran Torino”, já que “Up” entrou em produção muito tempo antes e sabemos que animações, por sua complexidade, não permitem mudanças em cima da hora. Enquanto o filme de Eastwood segue um tom mais melancólico, falando sobre um homem que vê o fim da vida se aproximar e decide passar o bastão, em “Up” o protagonista decide buscar o recomeço. É, como o título diz, um filme que levanta o ânimo. Não que “Gran Torino” seja triste, pois faz rir em várias cenas. É a atmosfera construída por Eastwood que, de uma forma geral, traz uma carga emotiva diferente da que sentimos em “Up”. Os dois filmes provocam diferentes tipos de choro. “Gran Torino” é mais pelo laço inusitado que se forma entre os personagens e pela compaixão que é redescoberta ali. “Up” toca mais pela importância que dá à memória, pelas coisas do passado que nos empurram para frente. De qualquer forma, ambos se encontram no reconhecimento dado pelo mentor ao aprendiz e no modo como mostram o quanto as relações humanas são o fundamento de uma vida saudável.
“Up – Altas Aventuras” apresenta pequenos problemas de ritmo, principalmente na segunda metade, quando são introduzidos os personagens coadjuvantes e os vilões, uma missão é dada aos protagonistas e começam as perseguições que já estão se tornando habituais nos filmes da Pixar. Em “WALL•E” ocorre algo semelhante na estrutura do roteiro, mas lá havia um refinamento do qual senti falta em “Up”. O cão Dug e a ave Kevin são ótimos e agradam logo quando são apresentados. Os três cães de caça principais também são bacanas (inclusive é uma ótima sacada a voz do Dobermann). Mas aí aparece um exército de cachorros, o que não soa absurdo – já que o filme todo é fantástico e absurdo, e isso é uma delícia – mas despropositado. Os três cães já seriam suficientes e os outros não fazem falta, além de terem um design genérico demais para uma produção da Pixar. Sem falar que o vilão soa forçado pelo fato de ele já ser um adulto quando Carl era criança. Fica óbvio que Docter e o co-roteirista e co-diretor Bob Peterson quiseram amarrar o filme, mas fico imaginando se uma equipe de caçadores de recompensa, por exemplo, não seria mais crível, digamos.
Outro problema é que Docter não tem um senso de composição tão apurado quanto Brad Bird, Andrew Stanton ou mesmo John Lasseter. Se ele merece aplausos por utilizar o 3-D de forma a tornar o filme mais belo, e não apenas para fazer coisas saltarem da tela, o cineasta deve ser repreendido por fazer algumas cenas que parecem mal pensadas em termos estéticos, o que surpreende justamente por ser um filme da Pixar. Talvez isso ocorra em função de este ser um “experimento”, por causa do 3-D. Mas essa justificativa não cola quando Docter demonstra certa preguiça ao usar as falas do cão Dug para descrever algumas ações que poderiam ter sido resolvidas visualmente. O problema não é Dug falar, mas falar demais, ainda que a coleira seja uma alternativa inteligente (e uma sátira) aos animais falantes que povoam a grande maioria dos filmes infantis pós-“Babe”, não apenas as animações.
De qualquer forma, é ótimo ver um filme mais solto da Pixar após duas entradas tão acima da média como “WALL•E” e “Ratatouille”. Afinal, um título não precisa ser sempre melhor que o anterior. E mesmo quando erra, a Pixar não deixa a peteca cair.
direção: Pete Docter; co-direção: Bob Peterson; roteiro: Pete Docter, Bob Peterson; design de produção: Ricky Nierva; montagem: Katherine Ringgold; música: Michael Giacchino; produção: Jonas Rivera; com as vozes de: Edward Asner, Christopher Plummer, Jordan Nagai, Bob Peterson, Delroy Lindo, Jerome Ranft, Josh Cooley; estúdio: Pixar Animation Studios, Walt Disney Pictures; distribuição: Walt Disney Pictures. 96 min