É aí onde “Distrito 9” se destaca acima de um extraordinário conto sci-fi. Ele situa a ação num cenário distinto, apesar de não ser inédito em uma produção do gênero (basta nos lembrarmos de “Star Wars” ou “Vingador do Futuro”), e leva a estética dos chamados “filmes de favela” e seus personagens e problemas (como ordens de despejo e assentamentos, discriminação, para não falar em apartheid) para a ficção-científica – que, por sua vez, empresta seus alienígenas, espaçonaves, biotecnologia e armas hi-tech.
O diretor Neil Blomkamp iguala tudo na marginalidade. Com seu primeiro filme (apadrinhado pelo gigante Peter Jackson), ele não faz um comentário político-social, mas um comentário imagético. Ele prova que esse estilo de filmar não só não é mais novidade, ms que também foi apropriado pelo cinema de entretenimento (como já vimos em tantos outros filmes pós-“Bruxa de Blair”, como os recentes “Cloverfield – Monstro”, “[REC]” e “Diário dos Mortos”). O “fake” (e não “ficção”, pois tudo invariavelmente é ficção) e o “real” se confundem, mais do que nunca, em propostas das mais diferentes – e é curioso observar isto acontecer tanto num cinema de shopping quanto numa sala alternativa, em filmes como “Moscou” e “Aquele Querido Mês de Agosto”. Há uma congruência interessante aí no que diz respeito à evolução da linguagem cinematográfica.
Mas é injusto falar sobre “Distrito 9” sem mencionar também sua contribuição para o gênero em que está inserido. Estamos diante de algo que impressiona não apenas pelo uso do formato, mas também por avançar na narrativa até um ponto em que você pode ficar sem saber adivinhar o que virá em seguida – e, convenhamos, hoje em dia, com tanta reciclagem que se vê numa tela de cinema, esse é um grande mérito. Trunfo da caracterização do protagonista, Wikus Van De Merve, interpretado pelo novato Sharlto Copley. O personagem é construído de maneira ambígua: insuportável e chatíssimo à primeira vista, mas por quem você acaba torcendo, mesmo que ele se revele um genuíno anti-herói, egoísta e capaz de cometer filhadaputagens para poder salvar a própria pele. A comparação com “A Mosca”, de Cronenberg, vai além da superfície.
E se não se pode dizer que os vilões humanos de “Distrito 9” são exatamente esféricos – como o militar Koobus ou os gângsteres que comandam a comunidade – Christopher Johnson, o alienígena principal (curioso como o extraterrestre tem um nome “mais humano” do que os próprios humanos do filme) é um dos grandes personagens do ano, pois, assim como Wikus, cativa o espectador gradualmente, além de ter um design simples (uma mistura de gafanhoto com lagosta), mas bastante interessante. Notável, aliás, como CGI e efeitos práticos se confundem na tela. Não estou 100% certo da técnica utilizada, mas em algumas cenas os alienígenas parecem ser bonecos animatrônicos de tão reais. Sem falar que os demais efeitos visuais são realizados com a competência habitual da WETA, sem que em momento algum você “saia” do filme por achar que alguma coisa ali é inverossímil.
Lembrando, sempre, que verossimilhança é aquilo que é crível, e não o que é verídico. Voltamos, então, à questão do “fake” se misturando com o “real”: assistimos ao filme sabendo que nada daquilo existe, mas tendo como referência a vida do lado de cá, percebida através dos telejornais. Por isso prefiro a mentira sincera de “Distrito 9” do que qualquer cinema que se venda como verdade.
direção: Neill Blomkamp; roteiro: Neill Blomkamp, Terri Tatchell; fotografia: Trent Opaloch; montagem: Julian Clarke; música: Clinton Shorter; produção: Peter Jackson, Carolynne Cunningham; com: Sharlto Copley, Jason Cope, Nathalie Boltt, Sylvaine Strike, John Sumner, William Allen Young, Nick Blake, Vanessa Haywood, David James; estúdio: WingNut Films, Key Creatives, QED International; distribuição: Columbia Pictures. 112 min