No último dia 11 de novembro, o primeiro filme dirigido por Cassavetes, “Sombras”, completou 50 anos de lançamento. Considerado o pai dos filmes independentes, o longa-metragem foi rodado com pouquíssimos recursos, equipamento modesto e atores desconhecidos do público que tiveram liberdade para levar a seus personagens características próprias que não estavam no roteiro. A história sobre amor e preconceito na Nova York da era beatnik é embalada por uma trilha sonora de jazz, também criada livremente para o filme. Era plantada ali a semente de uma das obras mais distintas do cinema americano, uma que se baseia num realismo e numa independência que Michelangelo Antonioni, Luchino Visconti, Roberto Rossellini e Vittorio De Sica tanto defenderam na Itália, assim como fizeram François Truffaut, Jean-Luc Godard, Éric Rohmer e os enfants terribles da Nouvelle Vague. Realismo que fica claro na atuação improvisada captada pela lente de Cassavetes, graças, justamente, à independência não só conquistada pelo diretor, mas dada a cada membro do elenco.
O mais impressionante é que, se os filmes de Cassavetes passam a idéia de serem improvisações (ele mesmo faz tal afirmação no fim de “Sombras”), na verdade sabe-se que o cineasta sempre foi muito meticuloso quanto a seguir o roteiro. O que acontecia é que os atores ajudavam a construir o filme e se sentiam plenamente à vontade, interpretando papéis com os quais eles se identificavam de alguma forma. Em outras palavras, nos filmes de Cassavetes você vê pessoas sendo pessoas, e não meros joguetes de texto. A partir do momento em que somos apresentados àqueles personagens, temos a clara sensação de que eles tiveram uma vida até o início do filme e que vão continuar vivendo após a última cena. Vale ressaltar, no entanto, que o cinema de Cassavetes exige paciência do espectador – não como obrigação, mas como virtude. Afinal, se o que ele nos propõe é acompanhar não um longa-metragem, mas um trecho de vida devemos estar dispostos não a assistir, mas a conviver com seus filmes.
Tanto “Sombras” quanto “Noite de Estréia” foram lançados em DVD no Brasil recentemente pela distribuidora Cinemax, junto com “A Morte de um Bookmaker Chinês”, “Uma Mulher Sob Influência” e a obra-prima “Faces”.
Editor-chefe e criador do Cinematório. Jornalista profissional, mestre em Cinema pela Escola de Belas Artes da UFMG e crítico filiado à Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema) e à Fipresci (Federação Internacional de Críticos de Cinema). Também integra a equipe de Jornalismo da Rádio Inconfidência, onde apresenta semanalmente o programa Cinefonia. Votante internacional do Globo de Ouro.