Todos esses elementos estão em “Aconteceu em Woodstock”, mais recente filme de Ang Lee. Mas o que importa para a lente do cineasta é a postura dos que estavam lá e como o evento foi definidor em suas vidas. E para isso ele focou em um personagem, o protagonista, um jovem que, aparentemente, nada tinha a ver com a contracultura. Elliot (Demetri Martin) é um homossexual ainda no armário que se sente na obrigação de cuidar do empreendimento dos pais, um hotel de beira de estrada caindo aos pedaços, em uma pequena cidade no interior do estado de Nova York. Quando lê no jornal que um município vizinho expulsou o festival de Woodstock, Elliot, que também é o presidente da Câmara de Comércio local, percebe o potencial para o hotel e traz o evento para casa.
Esse é apenas o ponto de partida para Lee, baseado na biografia do verdadeiro Elliot: mostrar a mudança tanto da cidade quanto do próprio protagonista. Não devido à música, afinal no filme ela não está em destaque. Mas devido às pessoas que passam pela vida de Elliot naqueles três dias de agosto. O diretor não se importa em fazer um filme sobre Woodstock através de cenas documentais do festival. Lee procura por uma construção profunda do personagem principal com a ajuda de seus coadjuvantes. Até mesmo nas imagens clássicas de Woodstock, recriadas pelo cineasta, é perceptível o tema que ele quer tratar, que é um tópico constante em sua filmografia: a identidade escondida que é revelada aos poucos. A cena do engarrafamento, quando Elliot pega carona com um policial “infectado” pelo clima “paz e amor” é uma delas. A cena de Elliot e Billy (Emile Hirsch) escorregando na lama, em um dos primeiros momentos após o protagonista resolver lidar de vez com sua identidade, é outra.
É uma pena que, para dar o tom de comédia, Lee recorra a algumas caricaturas. O próprio Billy é uma delas: a do problemático soldado que retornou do Vietnã. Outra é a mãe de Elliot, interpretada pela sempre excelente Imelda Staunton. Sua personagem acaba se destacando por ser uma das mais exageradas e excêntricas, mas eu me pergunto se a afetação era realmente necessária. Felizmente, há alguns personagens que são mais bem tratados por Lee e James Schamus, seu roteirista e produtor de longa data. O pai de Elliot (Henry Goodman) e o ex-soldado, agora travesti, Vilma (Liev Schreiber) são personagens que poderiam ter caído em estereótipos do pai caipira e atrasado e do homem vestido de mulher, mas se tornam elementos importantes de cenas essenciais do longa. E se o personagem Elliot está bem escrito, com equilíbrio, Martin, o ator, não lhe dá o carisma necessário, o que diminui a identificação que o público poderia ter com ele.
No fim das contas, “Aconteceu em Woodstock” é menos um filme sobre o festival e mais uma obra sobre a busca da identidade. E se, infelizmente, o tema não está tão presente em todas as cenas, nos momentos em que surge o longa de Lee se transforma em algo maior. É impossível sair da sala sem se lembrar do acerto de contas entre pai e filho, a viagem de LSD de Elliot, os efeitos de alguns brownies e outros momentos já citados.
direção: Ang Lee; roteiro: James Schamus (baseado no livro de Elliot Tiber e Tom Monte); fotografia: Eric Gautier; montagem: Tim Squyres; música: Danny Elfman; produção: Ang Lee, James Schamus; com: Henry Goodman, Imelda Staunton, Demetri Martin, Emile Hirsch, Paul Dano, Kelli Garner, Clark Middleton, Bette Henritze, Sondra James, Jeffrey Dean Morgan, Christina Kirk, Eugene Levy, Dan Fogler, Liev Schreiber; estúdio: Focus Features; distribuição: Universal Pictures. 110 min