Mas não. A sensação comercial de margarina perdura por todo o filme. E não apenas pela estética. Nada acontece em “Do Começo ao Fim”. Nada. Conflitos não existem. O relacionamento entre os irmãos não é visto com estranheza por quase ninguém. A mãe e o pai de um deles (as crianças são filhos de pais diferentes) esboça uma pequena preocupação, mas logo passa. Os temas “incesto” ou “amor homossexual” não são tratados de nenhuma forma.
Até aí, vamos relevar por um instante. Apesar de não corresponder com as expectativas criadas pelo trailer, pode ser que Aluisio Abranches não queria ter que obrigatoriamente tratar sobre tais temas, apenas falar do amor. O amor puro e simples. Mas nem deste tópico o diretor dá conta. Simplesmente não dá para acreditar neste amor, mesmo porque os donos dele são pessoas unidimensionais e sem profundidade. Quem é Francisco (Lucas Cotrim/João Gabriel)? Quem é Tomás (Gabriel Kaufman/Rafael Cardoso). O que eles querem? O que eles pensam? Quais são as características deles? E só um amar o outro e o outro amar o um? Como acreditar em um amor se não acreditamos em quem ama? A história de Francisco e Tomás não passa por nenhum tipo de conflito, e nem falo apenas dos conflitos que seriam naturais entre um casal de irmãos e o mundo à volta deles. Mas conflitos entre os próprios. O único, a viagem de um deles para Rússia, um problema que poderia ter saído de um capítulo sem inspiração de uma novela de Manoel Carlos, é resolvido em três cenas. Os pequenos conflitos consequentes deste são difíceis de engolir para um casal que se apaixonou no momento em que o mais novo abriu os olhos pela primeira vez na vida, e todos são solucionados em questão de minutos.
E como “Do Começo ao Fim” é um filme sem conflitos é de se concluir que Abranches abraçou o tema que vendeu no trailer apenas pela ideia de ser polêmico; que quis fazer uma produção sobre um relacionamento incestuoso e homossexual só pelo fato de ser incestuoso e homossexual. Explico: como este amor não passa por nenhum tipo de obstáculo, parece que Abranches considerou suficiente para o público ver dois irmãos tirando a roupa em câmera lenta e sem tirar o olho um do outro (uma das piores cenas do longa, aliás). Que só o fato de eles serem irmãos e se amarem seria possível para carregar o filme, mesmo que não sofram nenhum tipo de preconceito e mesmo que o amor dos dois não passe por nenhum tipo de prova. Abranches estava enganado e ele já deveria ter atinado para a questão no roteiro. Fico até me perguntando, aliás, qual é o objetivo de se fazer um filme assim. Para que contar uma história se ela não tem nada para ser contada?
São 90 e poucos minutos de um marasmo total e o elenco não ajuda muito. Os atores principais, tanto os mirins quanto os adultos, não têm muito o que fazer com papéis tão planos a não ser ligar o piloto automático e expressar suas falas artificiais de forma artificial. Fábio Assunção parece não acreditar em seu personagem. Louise Cardoso é sempre uma atriz interessante, mas seu papel não tem razão nenhuma de existir. A única pessoa que dá um pouco de sinceridade em um personagem que Abranches parece ter tido o mínimo de carinho para criar é Júlia Lemmertz. Aliás, se o filme tivesse tomado outro ponto de vista, o da mãe em relação aos filhos, poderia ter saído melhor.
direção: Aluisio Abranches; roteiro: Aluisio Abranches; fotografia: Ueli Steiger; montagem: Fábio S. Limma; produção: Aluisio Abranches, Fernando Libonati, Iker Monfort, Marco Nanini; com: Gabriel Kaufmann, Rafael Cardoso, Lucas Cotrin, João Gabriel Vasconcellos, Júlia Lemmertz, Fábio Assunção, Louise Cardoso, Jean Pierre Noher; estúdio: Lama Filmes, Pequena Central de Produções; distribuição: Downtown Filmes/RioFilme. 100 min