O grande diferencial é que, em “Onde Vivem os Monstros”, o foco não é a aventura, mas os sentimentos com que o personagem principal está lidando. Para onde Bastian viaja para fugir da solidão e salvar um reino em “A História Sem Fim”, ou onde Sarah descobre que devemos ter muito cuidado com o que desejamos, em “Labirinto – A Magia do Tempo”, é onde Max aprende que não existe tal coisa como o “para sempre”.
Os sentimentos que envolvem Max nesse momento de sua vida não são apenas os de alegria e excitação – tão comuns em qualquer criança e retratados na maior parte dos filmes infantis – mas também os de tristeza, frustração e decepção, que são bem mais raros de serem vistos desta forma no cinema. E “Onde Vivem os Monstros” consegue capturar exatamente aquela sensação de quando ficávamos cabisbaixos porque o pai ou a mãe não pôde brincar com a gente em razão de outro compromisso. Ou ainda aquelas vezes em que morremos de raiva do irmão porque ele preferiu sair com os amigos a passar um tempo conosco e armar uma barraca com lençóis no quarto.
Jonze, falando através da história de Sendak, nos leva de volta a esse exato momento da infância em que temos que tomar consciência de que não somos mais o centro do universo. E que o fato de nossos pais ou irmãos não poderem brincar com a gente o tempo todo não significa que eles deixaram de nos amar.
A sensibilidade de Jonze na construção de Max, vivido pelo ator-mirim Max Records (visto recentemente em “Vigaristas” como a versão criança de Mark Ruffalo), é surpreendente. O cineasta, conhecido pelo estilo surrealista e desprendido visto em “Quero Ser John Malkovich” e “Adaptação”, além de vários videoclipes (o que o torna um coirmão de Michel Gondry), demonstra aqui ter alcançado uma maturidade na visão cinematográfica, tanto no que diz respeito à elaboração dos planos quanto no preenchimento ideológico/reflexivo das imagens. Ao mesmo tempo, Jonze não deixa escapar o espírito de diversão de quem sabe que está fazendo o que gosta, algo que fica claramente perceptível nas cenas em que Max deixa a imaginação solta para criar histórias e personagens absurdos que não tem obrigação nenhuma de significar algo além da simples possibilidade de poderem ser criados. Possibilidade esta que parece se esvair com o passar dos anos, como já nos lembrou Tom Hanks (que é produtor do filme) em “Quero Ser Grande”.
Belíssimo no que tem a dizer e, também, a mostrar, graças aos cenários e aos bonecos criados pelos estúdios Jim Henson (por sinal, o diretor de “Labirinto” e criador dos Muppets) sem a ajuda de computadores. O CGI foi utilizado apenas para animar as expressões faciais das criaturas, o que definitivamente torna o apelo do filme bem mais forte para os adultos, que cresceram assistindo a filmes com bonecos animatrônicos e atores fantasiados interpretando personagens dos mais incríveis.
“Onde Vivem os Monstros” deve agradar as crianças – aquelas que ainda temos dentro de nós. Não sei quanto a você, mas a cena em que Max e Carol adormecem amontoados junto aos demais monstros na floresta é a representação fiel de algo que eu adorava fazer quando moleque: me cobrir com todos os bichos de pelúcia que encontrava no quarto, encolhido entre a porta do guarda-roupa e o rack da TV. Se você teve algum momento parecido na infância, abra um leve sorriso, pois é para lá que “Onde Vivem os Monstros” irá te levar.
direção: Spike Jonze; roteiro: Spike Jonze, Dave Eggers (baseado no livro de Maurice Sendak); fotografia: Lance Acord; montagem: James Haygood, Eric Zumbrunnen; música: Carter Burwell, Karen O.; produção: John B. Carls, Gary Goetzman, Tom Hanks, Vincent Landay, Maurice Sendak; com: Max Records, Pepita Emmerichs, Catherine Keener, Steve Mouzakis, Mark Ruffalo; com as vozes de: James Gandolfini, Paul Dano, Catherine O’Hara, Forest Whitaker, Michael Berry Jr., Chris Cooper, Lauren Ambrose; estúdio: Warner Bros. Pictures, Legendary Pictures, Village Roadshow Pictures, Playtone, Wild Things Productions; distribuição: Warner Bros. Pictures. 101 min
Editor-chefe e criador do Cinematório. Jornalista profissional, mestre em Cinema pela Escola de Belas Artes da UFMG e crítico filiado à Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema) e à Fipresci (Federação Internacional de Críticos de Cinema). Também integra a equipe de Jornalismo da Rádio Inconfidência, onde apresenta semanalmente o programa Cinefonia. Votante internacional do Globo de Ouro.