Não é de se espantar que o foco dramático de “A Fita Branca” seja justamente um grupo de crianças: garotos e garotas que vivem em um vilarejo na região norte da Alemanha, alguns anos antes do início da Primeira Guerra Mundial. Personagens jovens são uma preferência de Haneke já demonstrada em seus filmes anteriores. Se não são crianças, são rapazes ou moças, como em “Violência Gratuita” e “A Professora de Piano”. O paralelo mais justo, porém, deve ser feito com “Caché”, onde jovens também são o centro de uma perturbação que testa os nervos dos adultos – personagens e espectadores.
Então, Haneke nos propõe em “A Fita Branca” uma reflexão sobre a educação severa que os adultos daquele vilarejo impõem sobre as crianças. Castigos e surras como forma de punição para a menor das travessuras. É a formação de uma distopia social que, segundo Haneke em suas entrevistas, leva ao fascismo (e não ao nazismo, como muitos têm mal interpretado). Isto é, no autoritarismo com que os pais tratam seus filhos no vilarejo, difunde-se entre as crianças um vilipêndio por tudo aquilo que não é “certo”. E crianças, sabemos, têm uma visão muito peculiar do mundo. Estão em formação intelectual e moral. E com um terreno extremamente fértil em suas cabeças, a semente ali plantada florescerá rápida e ferozmente.
É justo dizer que “A Fita Branca” é “A Vila” de Haneke. “A Vila“, um dos grandes e injustiçados filmes de M. Night Shyamalan, também utiliza um vilarejo como alegoria para falar sobre uma tendência político-ideológica em torno da qual a narrativa gira. Onde Shyamalan fala da cultura do medo na era Bush, Haneke fala do fascismo embrionário no início do século 20.
Dando corpo a essa visão de Haneke está uma belíssima fotografia em preto e branco desenvolvida por Haneke ao lado de seu habitual colaborador Christian Berger, que foi indicado ao Oscar por este filme. Só é uma pena que nosso sistema de projeção digital, ainda muito precário, estrague todo o trabalho. Se você notar que as imagens estão escuras demais ou cinzas demais, culpe a Rain Networks, que é a empresa que tem sido responsável por verdadeiras atrocidades nas salas de cinema do país.
direção: Michael Haneke; roteiro: Michael Haneke; fotografia: Christian Berger; montagem: Monika Willi; produção: Stefan Arndt, Veit Heiduschka, Michael Katz, Margaret Ménégoz, Andrea Occhipinti; com: Christian Friedel, Ernst Jacobi (voz), Leonie Benesch, Ulrich Tukur, Ursina Lardi, Fion Mutert, Michael Kranz, Burghart Klaußner, Steffi Kühnert, Maria-Victoria Dragus, Leonard Proxauf, Levin Henning, Johanna Busse, Thibault Sérié; estúdio: X-Filme Creative Pool, Wega Film, Les Films du Losange, Lucky Red, Canal+; distribuição: Imovision. 144 min
Editor-chefe e criador do Cinematório. Jornalista profissional, mestre em Cinema pela Escola de Belas Artes da UFMG e crítico filiado à Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema) e à Fipresci (Federação Internacional de Críticos de Cinema). Também integra a equipe de Jornalismo da Rádio Inconfidência, onde apresenta semanalmente o programa Cinefonia. Votante internacional do Globo de Ouro.