Não deu nem tempo de respirar após o discurso de Kathryn e foi anunciada a vitória de “Guerra ao Terror” também como Melhor Filme. Novamente, merecido – e previsível, se levarmos em conta que as premiações dos sindicatos dos diretores e dos produtores cantaram a pedra, mais uma vez, de quem venceria o Oscar.
A trajetória de “Guerra ao Terror” é das mais curiosas em anos. Um filme que foi lançado em circuito limitado nos EUA e que ganhou fama devido às excelentes críticas recebidas nos festivais em que foi exibido (quem foi mesmo que disse que a crítica não é relevante?). No Brasil, saiu direto em DVD e ficou meses nas locadoras sem que ninguém desse nota. Vem a temporada de premiações e tudo muda: é o filme que todos querem ver, embora saibamos que nunca vai chegar a ter um público como o de “Avatar”.
Enquanto o filme de Kathryn levou seis dos nove Oscar a que foi indicado, o longa-metragem de James Cameron ganhou apenas três dos também nove prêmios a que concorria. O mais relevante é o de Fotografia, categoria esnobada pela Academia, que sequer apresentou cenas dos indicados, o mesmo acontecendo com Montagem, que ficou com “Guerra ao Terror”. Já Efeitos Visuais, que sempre foi chamariz de público, teve, claro, seu destaque. E o vencedor não poderia ter sido outro que não “Avatar”.
E aí temos Direção de Arte. “Avatar” também levou esse (mas perdeu Efeitos Sonoros e Mixagem) e me pergunto por que o filme sequer concorreu a Melhor Maquiagem ou Figurino. Por que os membros da Academia levam em conta cenários e cores geradas por computação gráfica, mas não consideram figurinos, penteados e maquiagem feitos através da mesma ferramenta? Paradoxo estranho.
“Guerra ao Terror” e “Avatar” só não dominaram as categorias de atuação, que também ficaram dentro do previsto. Jeff Bridges levou o Oscar de Ator por “Coração Louco”, num prêmio que teve mais cara de homenagem por conjunto da obra. Sandra Bullock ganhou o Oscar de Atriz por “Um Sonho Possível” e agora pode voltar a fazer as bobagens que dominam seu currículo. Mo’nique ganhou como Coadjuvante por “Preciosa”, o que não dá para questionar, pois até mesmo nos clipes apresentados ela se demonstra superior às demais indicadas. E Christoph Waltz garantiu a “Bastardos Inglórios” o único prêmio da noite. Que seja um sinal de que Waltz ofereça outro belos trabalhos e não fique conhecido apenas por esse papel, que foi um presente em tanto dado por Quentin Tarantino.
Outros destaques entre os premiados são “O Segredo dos Seus Olhos” como Melhor Filme Estrangeiro, um bravo reconhecimento ao cineasta argentino Juan José Campanella (diretor de “O Filho da Noiva” e “Clube da Lua”); e “Up – Altas Aventuras”, que além de Melhor Animação ganhou Melhor Trilha Sonora para Michael Giacchino – um dos melhores da nova geração de compositores de “trilhas clássicas”.
Em relação à cerimônia, alguns avanços em relação ao ano passado. A dinâmica da apresentação por duas pessoas funcionou bem, com Steve Martin e Alec Baldwin criando diálogos, completando as piadas um do outro e fazendo piadas entre si. O ritmo da cerimônia, porém, foi irregular. Se começou ágil, quase não parecendo Oscar, da metade em diante voltou à tradicional lengalenga, com número de dança e falatório impertinente.
Ainda assim, os produtores conseguiram enxugar mais de meia hora em relação à duração dos anos anteriores. Parte disso graças à eliminação do bloco do Oscar Honorário. Este ano, resumiram tudo a um clipe com imagens de um jantar oferecido aos homenageados (os principais foram Roger Corman e Lauren Bacall), que em seguida se levantaram na platéia para receber os aplausos. Por um lado, essa mudança fez a cerimônia correr. Por outro, não deu o destaque merecido aos homenageados. A premiação dos curtas tomou mais tempo, para se ter uma ideia, e olha que este é um bloco do qual geralmente se livram logo.
Mas, claro, a duração do Oscar poderia ter sido ainda menor. Se a homenagem a John Hughes marcou um dos momentos altos da noite (foi emocionante relembrar a carreira do cineasta e também ver seus familiares na platéia claramente emocionados e agradecidos pela honra), a homenagem aos filmes de terror soou totalmente desnecessária e sem contexto. Ao que parece, surgiram com a ideia pela necessidade de citar “Lua Nova” e “Atividade Paranormal”, que foram marcos da arrecadação do cinema americano em 2009. Mas convenhamos: “Lua Nova” sequer é um filme de terror. Ver uma cena desse romance adolescente em meio a tantos clássicos do horror é uma afronta não apenas aos fãs do gênero, mas à sanidade dos próprios organizadores do Oscar. Sem falar que não se lembraram de citar “[REC]” ou “O Orfanato” ou qualquer filme do Guillermo Del Toro ou mesmo unzinho sequer das dezenas de filmes asiáticos refeitos por Hollywood nos últimos anos. Já os remakes tiveram espaço no clipe, claro. Gafe da noite.
Abaixo, a lista completa de premiados da 82ª edição do Oscar:
Melhor Filme
Guerra ao Terror
Melhor Direção
Kathryn Bigelow, “Guerra ao Terror“
Melhor Ator
Jeff Bridges, “Coração Louco”
Melhor Atriz
Sandra Bullock, “Um Sonho Possível”
Melhor Ator Coadjuvante
Christoph Waltz, “Bastardos Inglórios“
Melhor Atriz Coadjuvante
Mo’Nique, “Preciosa”
Melhor Roteiro Original
Mark Boal, “Guerra ao Terror“
Melhor Roteiro Adaptado
Geoffrey Fletcher, “Preciosa”
Melhor Fotografia
Avatar
Melhor Montagem
Guerra ao Terror
Melhor Direção de Arte
Avatar
Melhor Figurino
The Young Victoria
Melhor Maquiagem
Star Trek
Melhores Efeitos Visuais
Avatar
Melhor Trilha Sonora Original
Michael Giacchino, “Up – Altas Aventuras“
Melhor Canção Original
“The Weary Kind (Theme From Crazy Heart)”, “Coração Louco”
Melhor Edição de Som
Guerra ao Terror
Melhor Mixagem de Som
Guerra ao Terror
Melhor Filme Estrangeiro
O Segredo dos Seus Olhos
Melhor Animação
Up – Altas Aventuras
Melhor Documentário
The Cove
Melhor Curta
The New Tenants
Melhor Curta – Animação
Logorama
Melhor Curta – Documentário
Music by Prudence
Editor-chefe e criador do Cinematório. Jornalista profissional, mestre em Cinema pela Escola de Belas Artes da UFMG e crítico filiado à Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema) e à Fipresci (Federação Internacional de Críticos de Cinema). Também integra a equipe de Jornalismo da Rádio Inconfidência, onde apresenta semanalmente o programa Cinefonia. Votante internacional do Globo de Ouro.