Preciosa – Uma História de Esperança

“Preciosa: Uma História de Esperança”, em um olhar superficial, tinha tudo para gerar desconfiança do público. Afinal, a história de uma menina negra, obesa, abusada sexualmente pelo pai, abusada verbalmente e agredida fisicamente pela mãe, semi-analfabeta, grávida do segundo filho do pai sendo que o primeiro tem Síndrome de Down, tinha tudo para descambar nessas produções que exploram ao máximo a desgraça alheia para nos fazer chorar. E esse subtítulo brasileiro cretino logo nos faz perceber que é uma história na qual a protagonista tenta dar uma volta por cima. Ou seja, mais um daqueles filmes de superação. A boa notícia, e o diretor Lee Daniels e o roteirista Geoffrey Fletcher merecem créditos só por isso, é que a produção não apela para um emaranhado de clichês e nem procura pelo choro fácil. Porém, “Preciosa” nunca é essa grande obra que as indicações e vitórias no Oscar podem nos fazer pensar que é.

A melhor escolha do roteirista Geoffrey Fletcher foi não tratar Clareece Precious Jones, a protagonista, como um exemplo de força de vontade a ser seguido e sua história como uma de superação. Precious não é daqueles personagens que, apesar de todos os obstáculos, consegue dar a volta por cima e vencer. Na verdade, ela é bem passiva. Precious é praticamente levada por pessoas a sua volta que tentam ajudá-la. Não é nenhuma heroína ou exemplo de superação. É mais o exemplo de uma pessoa que parece ter entregado os pontos, que sonha demais e faz pouco e, se não fosse pelos outros a sua volta – a professora de Paula Patton ou a assistente social de Mariah Carey – não teria saído do lugar. Precious não é simpática, não tem um comportamento exemplar, não faz nenhuma força para isso, mesmo porque a vida dela a fez ser assim.



Dessa forma, os vários problemas passados pela protagonista até são bem assimilados pelo espectador. Com a personagem construída de outra forma, talvez a cada desgraça passada por Precious, poderíamos pensar: “Ah, não é possível que tudo isso iria acontecer com apenas uma pessoa”. Flecther e Daniels transforman Precious em uma pessoa crível.

Mas nem tudo são flores. Um grande problema do roteiro de Fletcher é a narração da protagonista. É muito invasiva e retira qualquer possibilidade de interpretação pessoal do espectador em alguma cena. E comparando com seus companheiros na categoria de melhor direção do Oscar (Kathryn Bigelow, Tarantino, James Cameron e Jason Reitman), Lee Daniels ainda tem muito a aprender. Há um problema de fluidez no filme, ainda mais com a escolha de misturar as cenas dos sonhos de Precious com a sua realidade filmada com câmera na mão.

O grande elogio de Precious vai, entretanto, para as suas protagonistas. Gabourey Sibide abraça a personagem de tal forma que é impossível nós não acharmos que ela não é assim na vida real. Todos os elogios para o roteiro feito no segundo parágrafo deve ir também para a estreante atriz. Ela dá o perfeito tom da passividade de Precious, da postura de quem desistiu de lutar. E Mo´Nique, como a mãe da garota, merece todos os Oscar, Globos de Ouro e prêmios de crítica que ganhou. A comediante se despiu de qualquer vaidade e se tornou um monstro. Por alguns momentos os espectadores podem achar que a atuação de Mo´Nique não é tão boa assim, que se resume apenas a gritar e resmungar. Mas quando a cena final chega podemos perceber a imersão da atriz e como ela está comprometida com o papel. Sibide e Mo´Nique aumentam o filme.

nota: 7/10 — vale o ingresso

Preciosa – Uma História de Esperança (Precious: Based on the Novel Push by Sapphire, 2009, EUA)
direção: Lee Daniels; roteiro: Geoffrey Fletcher (baseado no livro de Sapphire); fotografia: Andrew Dunn; montagem: Joe Klotz; música: Mario Grigorov; produção: Lee Daniels, Gary Magness, Sarah Siegel-Magness; com: Gabourey Sidibe, Mo’Nique, Paula Patton, Mariah Carey, Sherri Shepherd, Lenny Kravitz; estúdio: Lee Daniels Entertainment, Smokewood Entertainment Group; distribuição: PlayArte. 109 min