A melhor escolha do roteirista Geoffrey Fletcher foi não tratar Clareece Precious Jones, a protagonista, como um exemplo de força de vontade a ser seguido e sua história como uma de superação. Precious não é daqueles personagens que, apesar de todos os obstáculos, consegue dar a volta por cima e vencer. Na verdade, ela é bem passiva. Precious é praticamente levada por pessoas a sua volta que tentam ajudá-la. Não é nenhuma heroína ou exemplo de superação. É mais o exemplo de uma pessoa que parece ter entregado os pontos, que sonha demais e faz pouco e, se não fosse pelos outros a sua volta – a professora de Paula Patton ou a assistente social de Mariah Carey – não teria saído do lugar. Precious não é simpática, não tem um comportamento exemplar, não faz nenhuma força para isso, mesmo porque a vida dela a fez ser assim.
Dessa forma, os vários problemas passados pela protagonista até são bem assimilados pelo espectador. Com a personagem construída de outra forma, talvez a cada desgraça passada por Precious, poderíamos pensar: “Ah, não é possível que tudo isso iria acontecer com apenas uma pessoa”. Flecther e Daniels transforman Precious em uma pessoa crível.
Mas nem tudo são flores. Um grande problema do roteiro de Fletcher é a narração da protagonista. É muito invasiva e retira qualquer possibilidade de interpretação pessoal do espectador em alguma cena. E comparando com seus companheiros na categoria de melhor direção do Oscar (Kathryn Bigelow, Tarantino, James Cameron e Jason Reitman), Lee Daniels ainda tem muito a aprender. Há um problema de fluidez no filme, ainda mais com a escolha de misturar as cenas dos sonhos de Precious com a sua realidade filmada com câmera na mão.
O grande elogio de Precious vai, entretanto, para as suas protagonistas. Gabourey Sibide abraça a personagem de tal forma que é impossível nós não acharmos que ela não é assim na vida real. Todos os elogios para o roteiro feito no segundo parágrafo deve ir também para a estreante atriz. Ela dá o perfeito tom da passividade de Precious, da postura de quem desistiu de lutar. E Mo´Nique, como a mãe da garota, merece todos os Oscar, Globos de Ouro e prêmios de crítica que ganhou. A comediante se despiu de qualquer vaidade e se tornou um monstro. Por alguns momentos os espectadores podem achar que a atuação de Mo´Nique não é tão boa assim, que se resume apenas a gritar e resmungar. Mas quando a cena final chega podemos perceber a imersão da atriz e como ela está comprometida com o papel. Sibide e Mo´Nique aumentam o filme.
direção: Lee Daniels; roteiro: Geoffrey Fletcher (baseado no livro de Sapphire); fotografia: Andrew Dunn; montagem: Joe Klotz; música: Mario Grigorov; produção: Lee Daniels, Gary Magness, Sarah Siegel-Magness; com: Gabourey Sidibe, Mo’Nique, Paula Patton, Mariah Carey, Sherri Shepherd, Lenny Kravitz; estúdio: Lee Daniels Entertainment, Smokewood Entertainment Group; distribuição: PlayArte. 109 min