O imigrante grego Zinos é dono do restaurante que dá título ao filme, construído em um galpão em um bairro industrial de Hamburgo. Na vida dele tudo está dando errado. O empreendimento, cheio de comida congelada no cardápio, não vai bem, os garçons não são pagos em dia; Zinos está com um problema de hérnia de disco que se agrava ao longo do filme, sua namorada vai morar na China; o irmão do protagonista precisa de um emprego de fachada para ter mais tempo livre na sua liberdade condicional e, para isso, recorre ao Soul Kitchen e por aí vai. A contratação de um chef temperamental e avesso a tudo que Zinos serve no Soul Kitchen muda um pouco o panorama e transforma o restaurante em uma espécie de sucesso no lado B da cidade. Mas os problemas continuam. A vigilância sanitária e uma inspetora de imposto de renda estão atrás de Zinos e um agente imobiliário (e ex-amigo de infância) quer o Soul Kitchen por interesse próprio. E a hérnia continua
E “Soul Kitchen”, em uma análise extremamente superficial, é isso. Um homem cheio de problemas, rodeado por personagens excêntricos, que tenta resolvê-los, às vezes, das piores (e mais engraçadas) formas possíveis. E o espectador mais desatento pode achar que o úninco objetivo de Akin era fazer um filme agradável.
Mas não era. E irei descorrer sobre isso através do título do longa: Soul Kitchen. Dar ao filme o nome do restaurante é uma ideia acertada. Tudo o que acontece, de uma forma ou de outra, volta para o empreendimento culinário e o local acaba virando uma metáfora de uma Alemanha alternativa, uma Alemanha cult, uma Alemanha pop, onde diversos tipos de cultura, escolhas, estilos podem e devem conviver juntas. É a ideia da identidade, tão presente no cinema de Akin, que também está em “Soul Kitchen”, apesar de menos óbvia do que em seus filmes anteriores (isto é um elogio, aliás). Se a identidade de Zinos, no filme, não está tão claramente relacionada a países e culturas, ela está no restaurante. Ao longo do filme percebemos que lá é onde Zinos pertence, é onde se sente melhor, é onde está sua vida. A dele e também de uma série de outras pessoas que, apesar de serem totalmente diferentes, elegeram o restaurante como um lugar ideal, por se identificarem com o que representa. Na verdade, “Soul Kitchen” é sobre isso. Não é um “filme gastronômico”. É uma obra sobre o pertencer a algum lugar.
Quando “Soul Kitchen” estreou em Veneza, Fatih Akin revelou que foi mais difícil fazer o roteiro de uma comédia do que de um drama. O espectador percebe isso algumas vezes. É possível ter a sensação de que Akin joga alguns momentos cômicos com piadas ultrapassadas só para fazer graça. Ou então deixa alguns personagens excêntricos demais. Algumas coisas funcionam, outras não. Mas, no geral, “Soul Kithcen” é muito bacana. Um filme agradabilíssimo, engraçado, que tem uma mensagem interessante e comprova a habilidade de Akin de passar tal mensagem sem didatismos e sem forçar a barra. Na verdade, é como todos os filmes deveriam ser. Mas a vida é assin, não é? De um lado existe “Crash: No Limite” e Paul Haggis. Do outro existe Fatih Akin e “Soul Kitchen”.
direção: Fatih Akin; roteiro: Fatih Akin, Adam Bousdoukos; fotografia: Rainer Klausmann; montagem: Andrew Bird; produção: Fatih Akin, Ann-Kristin Homann, Klaus Maeck; com: Adam Bousdoukos, Moritz Bleibtreu, Birol Ünel, Anna Bederke, Pheline Roggan, Lukas Gregorowicz; estúdio: Corazón International, Dorje Film, NDR, Pyramide Productions; distribuição: Imovision. 99 min