Fúria de Titãs

Os deuses gregos são os novos vampiros.

A imposição da indústria cultural para lançar moda indica que a turma de Zeus vem com tudo para as telas e já forma uma tendência em Hollywood, com uma bateria de filmes resgatando os mitos desse universo que, desde os primórdios do cinema, instigam a imaginação de cineastas e espectadores. Mas a julgar pela qualidade dos dois primeiros exemplares dessa safra, as perspectivas não são nada boas. Primeiro foi “Percy Jackson e o Ladrão de Raios”, aventura adolescente sub-“Harry Potter” dirigida por Chris Columbus. Agora, temos esse “Fúria de Titãs”, comandado por Louis Leterrier.



O filme é um remake do longa de 1981, dirigido por Desmond Davis e produzido pelo mestre dos efeitos especiais Ray Harryhausen. Os problemas já começam aí – ou terminam, já que nos créditos finais o nome de Harryhausen sequer é mencionado, nem mesmo em um agradecimento especial, o que demonstra a insensibilidade dos realizadores. Não que o “Fúria de Titãs” original seja um filme a que se deve ter respeito absoluto, até porque é bem meia-boca, mas o que ele tem de qualidade reside justamente no trabalho de Harryhausen a frente da elaboração das criaturas via animação stop-motion – exceto a coruja mecânica Bubo, que é mesmo ridícula e até vira alvo de uma piada interna na nova produção, na cena em que Perseu escolhe suas armas.

As melhores sequências do filme de 1981 (a caverna de Medusa e o confronto com o Kraken) são reproduzidas na refilmagem e arrisco a dizer que não superam as originais, levando em conta os recursos tecnológicos disponíveis em cada época. O que a segunda versão leva de vantagem é que Leterrier é um diretor de filmes de ação, tendo como melhores trabalhos “Carga Explosiva” e “O Incrível Hulk”, enquanto Davis construiu carreira em cima de comédias, dramas românticos e séries de TV. Sendo assim, o remake de “Fúria de Titãs” é mais eficiente no que tange às cenas de luta, mas todos nós sabemos que só isso não faz um filme.

Então, temos a questão narrativa, que é onde a nova produção se complica. Nem tanto pelas mudanças promovidas na história, embora algumas realmente incomodem (transformar Calibos no padrasto de Perseu até passa, apesar de ser desnecessário, mas colocar o Olimpo no céu e não nas montanhas é prova de ignorância). O problema maior reside na forma como os roteiristas tratam o confronto entre mortais e deuses, como se quisessem fazer uma analogia à crise religiosa do século 20. Enquanto o original faz bem em não se aprofundar no embate, tratando o mito como base da aventura somente, a refilmagem impõe a visão de que é necessário ter uma crença e adorar seres superiores para evitar desgraças (de alguma forma o ataque do Kraken remete à destruição de um dos tsunamis de Roland Emmerich, mas talvez eu já esteja vendo coisas demais). Ou ainda, que para alguém ser capaz de superar dificuldades, é preciso acreditar no “deus que habita dentro de você”. Nada contra crenças, cada um tem ou não tem a sua, mas ninguém precisa desse discurso babaca, ainda mais num blockbuster.

E vem aí “Immortals”, com grande elenco encabeçado por Mickey Rourke como Hyperion e John Hurt como Zeus; “Thor”, baseado no super-herói da Marvel e com direção de Kenneth Branagh (a mitologia desse é nórdica, mas sabemos que Hollywood coloca tudo no mesmo balaio); além da animação da DreamWorks “Pig Scroll”, em que um porco se aventura na Grécia Antiga. Que essas próximas empreitadas não sejam amaldiçoadas pelos deuses.

Fúria de Titãs (Clash ot the Titans, 2010, EUA/Reino Unido)
direção: Louis Leterrier; roteiro: Travis Beacham, Phil Hay, Matt Manfredi (baseado no roteiro de Beverley Cross); fotografia: Peter Menzies Jr.; montagem: Vincent Tabaillon, Martin Walsh; música: Ramin Djawadi; produção: Kevin De La Noy, Kevin De La Noy; com: Sam Worthington, Liam Neeson, Ralph Fiennes, Jason Flemyng, Gemma Arterton, Alexa Davalos, Mads Mikkelsen; estúdio: Legendary Pictures, Thunder Road Pictures, The Zanuck Company; distribuição: Warner Bros. 104 min