“Zona Verde” não é um filme em que Greengrass faz algo diferente ou mesmo superior a seus últimos quatro filmes. O estilo frenético e rude, que usa câmera na mão e uma montagem de cenas muito rápidas, segue bem de perto o tipo de imagem que ele produziu em “Vôo United 93”, assim como nas duas últimas aventuras do espião Jason Bourne e em “Domingo Sangrento” – filme de 2002 sobre o histórico conflito civil na Irlanda, que projetou o cineasta para Hollywood. Da mesma forma, o tema da política e da guerra presente em “Zona Verde” mantém a coerência de sua filmografia recente.
Podemos facilmente traçar um paralelo entre “Zona Verde” e “Domingo Sangrento”. Ambos misturam filme de guerra com thriller político, e um gênero dá cobertura ao outro. Em “Zona Verde”, enquanto a conspiração em torno dos motivos ocultos por trás da Guerra do Iraque se desdobra, cenas de ação colocam o espectador diretamente na linha de batalha, com a imagem trepidante que mal mal conseguimos ver o rosto dos atores. Cenas que revelam que Greengrass tem jogado muito “Call of Duty”. Ou seria o contrário: os criadores desses jogos é que tem assistido muito aos filmes do cineasta, já que ele é um dos responsáveis por estabelecer uma nova identidade para os filmes de ação?
Esse estilo está também presente em “Domingo Sangrento”, o que torna o filme quase um documentário, como se a câmera testemunhasse e participasse de fato dos eventos narrados. Enquanto “Zona Verde” nos leva a um passado recente, pouco após a invasão americana ao Iraque, “Domingo Sangrento” remonta ao ano de 1972, mais precisamente ao dia 30 de janeiro, quando uma passeata de ativistas dos direitos civis terminou em massacre. Após confronto com tropas britânicas, 13 manifestantes foram mortos a tiros e outros 14 ficaram feridos (um deles veio a morrer posteriormente). Toda a covardia empregada pelos soldados é reproduzida com realismo por Greengrass, o que rendeu ao filme o Urso de Ouro no Festival de Berlim e o troféu de Melhor Filme segundo o público do Festival de Sundance, entre outros 17 prêmios.
Onde “Domingo Sangrento” busca uma verdade histórica, “Zona Verde” transcorre como realidade ficcionalizada e teoriza em cima da busca fantasiosa do governo de George W. Bush por armas de destruição em massa que Saddam Hussein estaria escondendo. O filme se passa todo no ínterim entre a fuga de Saddam e a tomada de poder do Iraque pelos Estados Unidos por meio de um fantoche político. Por mais que seja uma obra de ficção, a postura de Greengrass frente ao que há de fato na história é claramente crítica ao governo Bush e condiz com tudo que ele diz em seus últimos filmes.
E o diretor está ciente de que não pode colocar um fim à guerra com um filme (Tarantino pode, mas aí é outra história). Ao final de “Zona Verde”, a grua ergue a câmera e, ao longe, as bombas continuam explodindo, o petróleo continua jorrando e o mundo continua sem saber quando e como a situação do povo iraquiano será resolvida.
Editor-chefe e criador do Cinematório. Jornalista profissional, mestre em Cinema pela Escola de Belas Artes da UFMG e crítico filiado à Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema) e à Fipresci (Federação Internacional de Críticos de Cinema). Também integra a equipe de Jornalismo da Rádio Inconfidência, onde apresenta semanalmente o programa Cinefonia. Votante internacional do Globo de Ouro.