Os protagonistas são a garotinha Mary, que mora na Austrália e enfrenta uma infância sem amigos, e o já adulto Max, que vive em uma Nova York cinzenta onde passou uma vida inteira lidando com a solidão. Se fosse nos dias de hoje, o encontro dessas duas pessoas poderia ter acontecido numa sala de bate-papo e ainda levantaria suspeitas de pedofilia. Mas como estamos falando de uma fábula moderna, é o simples acaso que leva Mary a descobrir o endereço de Max em uma lista telefônica. É o ponto de partida de uma amizade diferente, mas genuína, da qual ambos se tornam tão dependentes que o sentimento que nutrem um pelo outro funciona quase como um antidepressivo.
Elliot utiliza o recurso da narração em off para ilustrar o que seus personagens escrevem e lêem nas cartas que trocam ao longo dos anos, sempre acompanhadas de presentes como chocolates e objetos de valor sentimental. Salta aos olhos aí a força da animação, que, pelo recurso da sugestão, fornece significados onde palavras não são necessárias. A voz do narrador onipresente pode soar como artifício que minimiza a função da imagem. Mas se é necessário como ferramenta que torne o filme mais acessível, seu uso é válido e bem-vindo.
“Mary e Max” enaltece a importância da escrita e da narrativa, algo que pode estar se perdendo nos dias atuais, quando cada vez mais o texto é abreviado por quantidades menores de caracteres. Paradoxalmente, o filme também mostra que a internet possui o benefício de abreviar o tempo e possibilitar encontros que décadas atrás seriam, se não impossíveis, muito mais difíceis de serem concretizados.
O poder da descrição também pode ser sentido no design de produção, assinado por Elliot que demonstra uma preocupação incrível na caracterização do universo do filme, inclusive filmando planos de detalhe – coisa que nem todo diretor de animação se preocupa em fazer.
A animação é um terreno que já se firmou e provou ser fértil para narrativas tão pessoais como a de “Mary e Max”. E a forma como um filme como este nos envolve não deixa de surpreender por trazer bonecos feitos de massa de modelar que parecem ser mais humanos, com muito mais alma e sentimento, do que inúmeros personagens de carne e osso que vemos por aí.
direção: Adam Elliot; roteiro: Adam Elliot; fotografia: Gerald Thompson; montagem: Bill Murphy; música: Dale Cornelius; produção: Melanie Coombs; com as vozes de: Toni Collette, Philip Seymour Hoffman, Eric Bana, Barry Humphries, Bethany Whitmore, Renée Geyer; estúdio: Melodrama Pictures; distribuição: PlayArte. 92 min
Editor-chefe e criador do Cinematório. Jornalista profissional, mestre em Cinema pela Escola de Belas Artes da UFMG e crítico filiado à Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema) e à Fipresci (Federação Internacional de Críticos de Cinema). Também integra a equipe de Jornalismo da Rádio Inconfidência, onde apresenta semanalmente o programa Cinefonia. Votante internacional do Globo de Ouro.